“Sou sírio.” Essa frase tem sido usada em Istambul, na Turquia, por pessoas que pedem algumas liras de esmola. Vim para a cidade para participar de um evento e acabei sendo abordado várias vezes por homens e mulheres, com filhos ou não, utilizando o mesmo argumento. Que diante da comoção internacional envolvendo a fuga de centenas de milhares de sírios em direção à Europa, deixando mortos no meio do caminho, possui um rosário de significados em si mesmo e não precisa de muito mais para chamar a atenção.
Fui informado que parte deles realmente diz a verdade. Outros, não – seriam imigrantes pobres de outras nacionalidades ou mesmo turcos que se aproveitam dessa comoção para com os sírios.
Isso pode gerar uma série de reflexões interessantes para o momento em que vivemos.
Você ficaria irritado se descobrisse que a pessoa em questão mentiu dizendo que era sírio para conseguir uns trocados? Se sim, por quê?
Você se sente mais na obrigação de doar para um refugiado sírio do que para qualquer outra pessoa em situação de extrema necessidade ou mesmo outros refugiados? Só doaria porque aquela história é a mesma que você tem ouvido na TV e visto na internet nos últimos dias e provocou um sentimento forte em muita gente ao redor do mundo?
E se a pessoa lhe contou uma mentira para lhe arrancar umas moedas? Decerto, há muita gente que esmola sem precisar, quase como uma profissão. Mas como você não tem como saber, vai ter que confiar na palavra alheia. E se essa pessoa estiver passando dificuldade e percebeu que é mais fácil os cidadãos de seu país se compadecerem com determinada nacionalidade? Porque o governo turco, por exemplo, tem sido violento com os curdos, ajudando a aumentar outra grande tragédia e a espalhar mais gente e eles não contam, necessariamente, com simpatia por conta das questões separatistas. Enfim a pessoa em grande necessidade que mente e pede esmola deveria ser punida por entender as atuais regras desse jogo? A mentira não seria, neste caso, socialmente perdoável, tal qual o furto famélico?
Que mundo é esse em que alguém miserável se passa por outra pessoa em situação deplorável no intuito de garantir a sua sobrevivência?
Ou, por outra: o que são favelas e bolsões de miséria senão campos de refugiados econômicos, expulsos do quinhão de direitos que deveriam ser garantidos a todos desde que nasceram simplesmente por pertencerem à humanidade?
É claro que a atual crise dos refugiados é gravíssima, como já disse aqui antes. E refugiados de guerra contam com o agravante de que, se ficarem, em sua própria terra, podem morrer, portanto merecem o acolhimento e a inserção social e econômica urgentes por parte dos Estados. E leia-se por inserção econômica, empregos decentes e não superexploração de mão de obra, como é o costume.
Mas acho pedagógico a dúvida posta neste “dilema da esmola síria”: por que o sentimento de solidariedade muitas vezes é seletivo? Por que há brasileiros que sentem empatia por refugiados sírios e não por refugiados haitianos, que buscam sobreviver em São Paulo? Por que autoridades brasileiras têm aproveitado este momento para dar declarações de boas vindas a determinado grupo, quando deveriam dizer o mesmo para tantos outros que buscam ajuda?
Não estou defendendo aqui que doe ou não uma moeda. Você pode considerar que dar esmolas é uma ação pontual e não estrutural ou que não vai ao encontro do que acredita e se negar sempre. Mas o julgamento que fazemos dessa situação diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre ela em si.
Por Leonardo Sakamoto
Fonte indicada: Blog do Sakamoto
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