Desde ontem, quando assisti a um filme sobre a vida da poetisa americana Sylvia Plath, que uma frase não me sai da cabeça: “meu predador das trevas”… Mais pela força da imagem que pela sonoridade do texto. Não. Por ambas. Acho que, principalmente, pelo significado em si.
O carrasco em questão seria seu futuro marido, o também poeta Ted Hughes, a quem ela nesse mesmo texto atribuía “um dia a culpa por sua morte”. O que realmente aconteceu. O que me encabula nessa história é o pressentimento… O faro de águia (não sei como é o faro da águia??? – fica a beleza da figura de linguagem). Para além da sensibilidade de escritora, o instinto. É fato que ele nos acomete. Por vezes não lhe damos ouvido ou atenção. Enfim, sabemos sempre o que nos amofina. E fato também, é que outras tantas vezes optamos deliberadamente pelo mal. Pelo que nos faz mal. Situações, pessoas, lugares…
Foi-nos dado o arbítrio. A nós cabe a responsabilidade de como as coisas nos atingem – descontando, é claro, as vezes em que somos alvo certo da neurose ou ressentimento de alguém; e olha que mesmo assim podemos dosar o que vamos absorver ou refletir. Somos permeáveis na mesma proporção que refratários, é só adotar a postura que convém.
Porque, então, não tiramos tudo de letra? Porque deixamos que tanta coisa nos toque? Basta pensar em qualquer relacionamento, seja mulher, amante, marido… É só ficar um pouquinho estável para o outro começar a nos mandar – e vice-versa. Mas nós delimitamos o quanto queremos ser mandados. E se cansarmos da mandança, acabamos com o privilégio do outro em relação a nós, e ponto. Simples. O vice-versa é que é o caso, porque é lógico que, jogo de interesse, na maioria das vezes obedecemos na proporção do que queremos mandar, ou de algum outro benefício que nos venha. A situação dos ex é curiosa nesse caso, pois se a um instante tinham o domínio do outro, no seguinte, o nada. Lidar com isso é notoriamente complicado.
Mas o ponto desse texto é mais doído do que poder mandar ou não em alguém. É quando, por vezes, alçamos vôos Kamikaze. É incrível como permitimos, e de vez em quando até escolhemos o caminho da dor. Quem em momentos de vasta alegria não sentiu falta da sua dor? Mesmo que nessas horas ela apareça disfarçada de uma angústia leve, um nó no peito, ou só um frio ligeiro que sobe num dia tranqüilo da base da espinha. Mas isso ainda é pouco. Temos a humana necessidade de ir mais fundo. Precisamos do lado sombrio. Da sensualidade do vampiro. Do lobo mau. Da ópera e do fantasma. Da fera a nos dominar de forma doce… Mesmo que só no campo da fantasia. Mesmo que em qualquer instância de domínio…
De volta ao início, o reconhecimento do algoz desde o primeiro instante, contudo, é fato raro. É para poucos. Por sorte, delicadeza e sabedoria, a antecipação do que irá nos acometer, permite premeditar o fim. (Mesmo que seja o fim do relacionamento em prol da nossa integridade.) Nos permite, na mesma proporção saborear – e se desejo for, expurgar – as dores, os medos, os fins.
Que eu seja a sentinela dos meus medos… Com a devida benção de Rilke à paráfrase, eu acho que encerra bem.Que tenhamos o domínio e a guarda (e digo isso em tom de prece solitária num momento comum) sobre a nossa vontade, as nossas dores, os nossos medos, os nossos algozes e – utopia minha – o nosso fi
::: Escrevi este texto na ocasião em que assisti ao filme “Sylvia – Paixão além das palavras” (Nunca entendi essa mania de darem títulos – e o que é pior subtítulos! – ridículos aos filmes. Se a gente não for persistente, insistir em ver o que tem por trás e sublimar, nem vê). Impressionou-me a força dessa mulher, mesmo com a Gwyneth Paltrow fazendo o papel, muito! Ontem, nas minhas noites de insônia assisti novamente e senti tudo de novo. As mesmas frases continuam rodando na minha cabeça e eu levantei e fui correndo pegar Ariel na estante – coisa que eu não tinha na época. :::
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