É quase impossível não saber quem é Britney Spears, mesmo que você, assim como eu, não seja o maior fã de música pop. No início dos anos 2000, a cantora norte-americana era um fenônemo raro de popularidade. Vendia milhões de discos, estamapava capas de revistas, protagonizava filmes e tinha um namoro midiático com o também astro pop Justin Timberlake, à época integrante do grupo N´Sync.
Me lembro de que, na primeira vez em que tive contato com o trabalho de Britney, tive a impressão de que ela era apenas mais uma entre as muitas estrelas fabricadas por grandes empresários da música. Tudo nela me soava artificial, desde o sorriso perfeito que ela exibia com vigor em qualquer aparição pública, à voz metalizada que emprestava aos hits chicletes que bombavam nas rádios da época. Entretanto, descobri com o passar do tempo que a “princesinha do pop” não era apenas mais uma, ela era “a” estrela. Era a ‘galinha dos ovos de ouro’ da gravadora Jive Records. Seu talento para se manter sempre sob os holofotes, seja pelas músicas, ou pelas inesgotáveis polêmicas que garantiam a subsistência das revistas de celebridades, foi amplamente explorado, a ponto de Britney se tornar quase uma personagem de si mesma.
Hoje, passados mais de vinte anos desde que se ouviu pela primeira vez o hit ‘Baby One More Time’, pouco sobrou da jovem promissora que era a perfeita materialização do ‘sonho americano’. Sua carreira está estacionada e sua imagem está atrelada a mais uma polêmica, que desta vez não envolve embates públicos com ex-namorados ou casamentos-relâmpago em Las Vegas. A imprensa de celebridades, que também mudou muito nesses anos todos, não se cansa de especular sobre a saúde mental da cantora, e sobre qual seria a verdadeira influência de Jamie Spears, pai da estrela, sobre a vida e a carreira da ex-queridinha da América.
Saúde Mental
A primeira vez que se levantou a possibilidade de que havia algo errado com o aparente “mundo perfeito” de Britney Spears foi em fevereiro de 2007, quando a estrela pop chocou os fãs ao surgir com a cabeça raspada agredindo furiosamente um grupo de paparazzis que a perseguiam em Los Angeles. As fotos do epispódio rodaram o mundo e se tornaram um triste marco na carreira da cantora. Depois disso, Britney foi diagnosticada com transtorno bipolar – Distúrbio associado a alterações de humor que vão da depressão a episódios de obsessão. Como consequência do escândalo, a carreira de Britney nunca mais foi a mesma.
Um ano após o colapso público da cantora, o pai dela, Jamie Spears, foi designado pela Justiça como seu tutor e passou a administrar a sua fortuna e sua carreira. A partir daí, a artista foi se tornando cada vez mais reclusa. No mesmo passo, sua carreira perdeu o vigor de outrora e seus fãs se apegaram aos hits antigos da estrela, que fazem lembrar um tempo e uma Britney que não existem mais.
#FreeBritney
Na era das redes sociais, não é de se espantar que o ressurgimento de Britney Spears sob os holofotes da mídia se daria através do Instagram. O que talvez não se esperasse era que a comoção em torno da cantora seria mais por uma legítima preocupação dos fãs do que por um novo hit nas paradas.
Desde que Britney abriu ao público o seu perfil no Instagram, os fãs começaram a estranhar o comportamento dela nos vídeos que expõe com frequência na rede. Seus posts quase sempre são vídeos que a mostram reproduzindo coreografias de músicas do momento ou selfies no jardim de sua mansão. O que deixa uma pulga atrás da orelha de seus seguidores é o fato de que a artista parece completamente alienada de tudo o que tem acontecido. Nos vídeos em que grava mensagens aos fãs, usa um tom de voz teatral, como se estivesse sendo dirigida.
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Logo passou-se a especular que o pai da cantora estivesse controlando muito mais do que apenas as finanças e a carreira dela. Ganhou força a teoria de que Britney já não tem mais controle sobre as próprias decisões. Os fãs, inclusive, acreditam que os vídeo que ela divulga na rede nada mais são do que “pedidos de socorro”. Surgiu daí a hashtag #FreeBritney (Liberte Britney em inglês), que dominam as redes sociais nos últimos anos.
Em 2019, Jamie Spears teve um problema de saúde e acabou se afastando do posto de tutor dos bens da filha. Jodi Montgomery então passou a ser co-tutora da artista.
Foi aí que Britney Spears, após mais de uma década sendo controlada pelo pai, decidiu abrir uma ação judicial contra ele pedindo a remoção total da curatela, que a levou à audiência realizada no último dia 11.
Segundo o advogado de Britney Spears, a cantora continua firme na decisão de retirar seu pai da curatela e a próxima audiência sobre o caso acontece no dia 17 de março de 2021.
De quem é a culpa?
Como não pertenço à legião de fãs da carreira de Britney Spears, não acompanhei de perto os últimos acontecimentos na vida da cantora. Por esses dias, entretanto, o lançamento do documentário Framing Britney Spears (“Enquadrando Britney Spears”, em tradução livre para o português), produzido pelo New York Times, reacendeu o interesse da mídia sobre a cantora e eu acabei tomando nota dos dramas vividos por ela nestes últimos 20 anos. De imediato, não consegui deixar de pensar naquela menina de sorriso encantador que nos anos 2000 cantava sobre amores impossíveis e fazia clipes coloridos e divertidos. O que fizeram com ela?
A indústria tratou Britney como um produto desde o início. Fez da menina talentosa um personagem com todos os elementos para atrair os holofotes. Talvez tenha incutido nela a obsessão por parecer sempre perfeita, como uma foto estática na capa de revista. Entretanto, assim que o produto deixou de ser vendável, tratou de descartá-la.
Grande parte do público, encantado com a imagem de perfeição criada pelos “donos do dinheiro”, não suportou ver sua “diva” errando diante dos holofotes, não admitiu que a cintura ínfima exibida nos seus “anos de ouro” tenha sido substituída pelas curvas reais de uma mulher que teve dois filhos, não conseguiu entender que uma cantora não precisa ser necessariamente uma máquina de fazer hits.
Vítima do machismo, das projeções e ambições alheias, Britney Spears acabou por se tornar um símbolo do sadismo que permeia a cultura das celebridades na sociedade em que vivemos. Hoje ela tem a chance de reassumir o controle sobre a própria vida e dar a volta por cima, e eu torço sinceramente para que ela consiga. Por ela e por todos aqueles que se arriscam a se mostrar humanos em um universo que cultua pessoas plastificadas.
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Texto de Felipe Souza, com informações de BBC.
Fotos: Reprodução.