De repente, surpreendi-me com mais de quarenta anos. Posso avaliar-me, pois me chamam de senhora. Sim, sou dona de mim e rainha do meu Castelo.
Percebo-me mais serena, ainda que não o suficiente para muitos que convivem comigo, mas sim, não há como negar que melhorei nesse quesito. Meu olhar sobre os objetos não mais os engolem com uma certa gula e sim os envolvem com uma incerta e inquieta ternura. Antes, um girassol que se guia pela luz e cresce estabanado; hoje, um canteiro de margaridas que tagarelam entre si até mesmo quando a noite cai. Tornei-me minha própria luz. Sou um ser repousante às dez da manhã.
Já chorei tanto pelas madrugadas e, somente por isso, já considero as minhas mãos sábias o suficiente para redigir dramas líricos. Meu corpo é cheio de inscrições na superfície e não mais quando era menina-moça portadoras de carnes que são pura possibilidade.
Se viajo, dou-me ao luxo de passar uma tarde em uma praça observando as crianças e os namoros da região com um olhar complacente mas de quem já está pronta para ir à Grécia.
Não ostento jóias. Mereço mais profundidades.
Os sentidos estão piorando, é verdade. Visão e audição já deixam tanto a desejar, mas a percepção nunca esteve nesse estado tão alerta.
Pulei do abismo em uma determinada parte do espaço e encontrei-me, de repente, no tempo. Descobri uma outra dimensão além da vivenciada pelo corpo. Densifiquei-me após autocatografar-me. Sou o pássaro que canta não para comunicar-se e sim para permitir o amanhecer. Da reta fiz-me curva.
Enfim, olhando meu reflexo tão refratado, avalio-me.
Um mulher de quarenta anos plena de muitos eus e infinitos nós. Jamais ao Sol.
Jamais a sós.