Mudou o mundo e mudei eu… Muito! E tão repentinamente, apesar de terem se passado tantos anos !…
Quando completei quarenta anos, achei que a velhice estava chegando… Ela não veio.
Quando fiz cinquenta, ela, a velhice, me pareceu chegar, com força total… Como num piscar de olhos, ela foi embora e eu vivi uma década ágil, dinâmica, agitada e nada tediosa.
Agora, faço sessenta anos, idade encarada como o início da terceira parte dos três terços de uma vida, a chamada terceira idade, que rima com “idoso”, que rima com “velhice”… Olho ao redor, procuro onde ela está (a velhice) e, juro, não a encontro!
O que mudou, então?
Mudei, mudaram as circunstâncias, as ferramentas, mas, sobretudo, mudaram as prioridades. O silêncio é mais importante. O humor é mais importante. A saúde é mais importante. A aceitação é mais importante. Entretanto, apesar de retirados alguns pedaços, eu me vejo caminhando para esse prometido encontro com a velhice, inteira.
Certos limites impostos pelos desgastes do tempo não podem ter soberania sobre a minha vontade. Assim, atendendo aos apelos dos joelhos, troco, de bom grado, os saltos altíssimos e finos por plataformas médias, a tinta que maltrata os meus cabelos, deixando-os mais finos ainda, pelos naturais fios grisalhos, que, gradativamente, livres da química, podem respirar e recuperam o antigo viço e brilho. Meus olhos cansados perderam em nitidez o que meu olhar sobre as coisas ganhou em amplitude e alcance.
Faz tempo que parei de inventar razões para viver. Estamos sempre inventando justificativas para mil e uma coisas que queremos ou não queremos, mas viver não tem justificativas, ponto. Também não há meios termos. Há acordos.
Lá pelo final dos quarenta anos, eu fiz acordos com a vida e comigo mesma… Vocês sabem, acordos são tratos, são compromissos e têm que ser levados a sério.
Eu me comprometi a viver apaziguada – com o tempo, com as perdas, com as mudanças, com as diferenças, com os limites, comigo mesma – e a curtir cada pedacinho do muito que tenho – das pessoas que permaneceram, da família construída, do patrimônio que consegui juntar, da saúde que ainda me resta, do amor que chegou para mim.
Outro trato, que é também um desafio: fracionar o tempo, para poder curtir o mosaico desse todo, que é o meu viver. Tudo à sua hora. Como uma pizza enorme, muitas fatias, todas deliciosas: lamber infinitamente meus netos, num chamego que esquece o relógio, conversar e, principalmente, ouvir as pessoas, aprendendo, todo dia, mais um pouquinho, abraçar, beijar, me entregar, alimentando meus nichos de afeto… E continuar a regar minha alma com música, leitura e com a aspiração profunda dos cheiros da minha casa, das minhas crias, do meu amor e da brisa da praia, todas as manhãs.
Meus sessenta anos foram azeitados pelos inúmeros recomeços, que me brindaram com paciência e coragem.
Tenho um profundo orgulho dos meus tropeços, pois foram eles que me ensinaram e tive a sorte de reconhecer muitos erros como degraus de crescimento, ainda a tempo de acertar meu passo e de aprumar a minha coluna. Como eu teria tudo isso se não tivesse vivido tanto?
Hoje, aos sessenta anos, eu me misturo à multidão, sou cada vez mais “ninguém” e gosto muito disso. É uma sensação libertadora, quando nos percebermos fugazes e finitos, nesse vasto universo de sucessões e renovações.
Estou viva, adequando-me, rebelando-me, atenta. Sinto-me como Cora Coralina, “com mais estrada no coração do que medo na cabeça.”
Eu já me dou por presenteada e me darei muito mais se alguns poucos guardarem de mim, um dia, um pouco mais do que apenas um pálido retrato, num canto qualquer da sala.
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Abaixo, a publicação original.
Imagem de capa- reproduções Facebook