De tanto machucá-la, ele a tornou cada vez mais forte

Tudo o que ele fizera, toda a dor que ele lhe afligira, tudo aquilo tinha feito com que ela encontrasse, dentro de si, uma força que ela jamais imaginaria possuir. E ela reergueu-se, resolveu reviver, fazendo a melhor das escolhas: optou por si mesma.

Ela era frágil, insegura. Queria um amor de contos de fadas, um amor com finais felizes, todos os dias. Passou tanto tempo procurando lá fora o amor, que se esqueceu de voltar os olhos para si mesma, negligenciando os anseios de seu íntimo. Esquecendo-se de si, esqueceu-se de amar-se o suficiente, o mínimo.

Ele parecia o cara certo, aquele sorriso jamais poderia esconder alguma coisa ruim. Ele era forte, seguro, bonito. Sem prestar atenção em si mesma, entregou-se. Deu as mãos, deu-se por inteira, porque era aquilo que esperava receber de volta. Não fazia sentido algum resguardar-se, quando o que sentia era impulso, era completo, era verdadeiro – ao menos por parte dela.

Ela passou a conceder, a abrir mão de muita coisa, para agradar aos desejos dele. E isso foi crescendo. Ela se doava e mudava e reprimia muito de si por causa dele. Ela queira que desse certo. Ela não aceitava nada além de estar junto dele. Mesmo que fosse uma sombra, um arremedo de gente, uma quase nada, engolida pela supremacia dos desejos dele, era somente junto dele que a vida parecia fazer sentido.

Cada vez mais frágil e insegura, passou a viver em um relacionamento pontuado de chantagens emocionais, pois ele sabia que ela morreria sem ele, que ela não era ninguém sem ele, que ela mal sabia quem era de verdade. E ele se aproveitou, ensaiando partidas e rompimentos, deliciando-se com a fraqueza dela, que chorava e implorava pela sua permanência. E ela sumia dentro de si. Diariamente, sumia.

Mas a dor chegou a tal ponto, que, sabe-se lá como, uma voz passou a ecoar dentro dela, clamando pela sua volta ao mundo real, porque seu corpo doía de tanto chorar e se encolher. A dor foi ficando insuportável e ela teve que encara o espelho. Então, chocou-se com a imagem que viu ali refletida à sua frente, pois ela não reconhecia aquele reflexo que mirava. E ela então chorou e desmoronou de vez, mergulhou na escuridão de sua solidão, até que tudo se esvaziou dentro dela.

Tudo o que ele fizera, toda a dor que ele lhe afligira, tudo aquilo tinha feito com que ela encontrasse, dentro de si, uma força que ela jamais imaginaria possuir. Ela reergueu-se, resolveu reviver, fazendo a melhor das escolhas: optou por si mesma. Ele não acreditou quando ela rompeu, ele riu, ironizou a força dela, dando-lhe as costas, na certeza de que ela correria atrás dele. Ela não correu.

Ele sequer podia conceber o quanto ele a fizera mais forte, mais ela, mais alguém de verdade. Ela teve que sobreviver a ele e assim o fez. Cada vacilo, cada desprezo, cada palavra agressiva foi parando de caber dentro dela, e ela tinha que sair da dor – ela ainda queria amar. Ela sofreu por alguns meses, mas a esperança foi se renovando e tomando cada parte de sua essência. Hoje ela é tão forte, tão linda, tão segura de si, que passa por ele sem nem olhar em sua direção. Porque ela olha o horizonte, olha a esperança, não tem mais tempo para sofrer com seres desprezíveis como ele. Como ela é linda!

Imagem de capa: Zolotarevs/shutterstock

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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