As experiências dolorosas são sempre muito parecidas. No entanto a dor é como uma impressão digital, cada um tem a sua, única, pessoal, intransferível. E por mais que sejamos empáticos, solidários e acolhedores, jamais seremos capazes de sentir a dor que o outro sente.
Há dores que pulsam, feito aquela enxaqueca que se manifesta nas têmporas. Tum tum, tum tum, tum tum…acompanham a gente num ritmo cadenciado e inoportuno. Tiram a nossa capacidade de reagir adequadamente. Uma discussão além dos limites provoca dores assim, ficam martelando na gente, provocam reações físicas a partir do sofrimento emocional. No caso da dor de cabeça, em geral tomamos um analgésico, que em geral resolve a questão… às vezes temporariamente. Caso não seja um desconforto pontual, assim que o medicamento cumprir seu ciclo de ação, o pulsar da dor voltará a nos visitar. E isso é exatamente o que irá acontecer com a dor pulsada da alma em conflito com outra alma. Podemos tentar uma analgesia travestida de desabafos com alguém querido, uma comprinha para afagar o ânimo, um chocolate. Por algum tempo pode até funcionar. Mas, se não olharmos bem nos olhos da raiz dessa dor, ela há de se aquietar por um tempo, apenas para voltar mais tarde, quem sabe até mais fortalecida.
Há dores que dão verdadeiros nós por dentro da gente, feito aquelas cólicas que nos reviram as vísceras, nos imobilizam e nos fazem querer fugir para algum lugar seguro, onde possamos nos enrolar feito tatus-bola, na tentativa de agasalhar a origem da dor. Uma perda, dói feito cólica. Em geral, o calor local, um banho morno, um chá quentinho, oferecem na urgência do sofrimento, algum alento e alívio. O calor relaxa, reconforta, amolece. E isso é exatamente o que irá ocorrer com a dor retorcida da alma. Podemos tentar um aquecimento travestido de abraços, colos, cafunés. Durante algum tempo, isso é tudo que damos conta de querer e de receber. Entretanto, o calor humano é um remédio que afaga, mas não cura o corte de uma perda. A perda, requer de nós uma força de reação que nos mova, que nos tire do casulo e nos faça seguir adiante, a fim de encontrar algo novo, muitas vezes inusitado, para repor ou substituir o que foi perdido. Caso contrário, seremos nós os perdidos numa dor para qual nos teremos oferecido em sacrifício.
E há inúmeras outras formas de doer, que só aquele que foi atingido é capaz de descrever. Mas… Numa última tentativa de me transplantar para os corações do mundo, invoco aqui a única dor que vale a pena ser sentida. Aquela dor para a qual devemos abrir as portas, convidá-la a entrar, ouvir com atenção tudo o que ela tem a dizer. Há uma única e bela dor, que de tão pungente, não pode ser ignorada. É a dor que salva! Ela não lateja, nem pulsa, ne se revira dentro da gente. Ela esfola a nossa casca de arrogância e orgulho numa persistência de formiga. Move sobre nós os seus pezinhos minúsculos numa caminhada lenta, disciplinada e cheia de determinação. Ela vai nos despertando aos poucos do nosso sonho manhoso de conforto; e nos faz enxergar um pouco além a cada dia. A dor de amadurecer é uma dor escolhida. Uma dor à qual devemos nos entregar de boa vontade, porque sem senti-la, seguiremos anestesiados em nossa ignorância emocional, teimaremos em defender convicções estúpidas e perderemos maravilhosas oportunidades de transformação.
Seja bem-vinda querida dor de salvação! Pois, é só na sua presença, que nos tornaremos algo além da nossa obstinada teimosia. Vem transmutar nossa seiva prematura e ácida em caldo doce e terno. Vem nos desabrochar em seu calor, abrir nossos olhos para a luz da única sabedoria que importa: entender que amanhã, nós seremos exatamente aquilo que escolhemos ser hoje; e que somos hoje o resultado inequívoco da semente que fomos ontem. Está em nossas mãos a cura para a nossa cegueira diante da vida. Acendamos a luz de dentro, porque sem ela, não há nascer de sol que dê conta da nossa escuridão.
Imagem de capa meramente ilustrativa: cena da série Grey´s Anatomy