O caso da jovem que circulou, há pouco tempo, na mídia, mostrou, mais uma vez, que o machismo está longe de ser superado, assim como as posições retrógradas que são defendidas por pessoas que se autointitulam “inteligentes” e “boas”.
Mesmo sendo extremamente triste e difícil ver determinadas reações machistas e reacionárias, uma coisa benéfica foi trazida por essa situação, qual seja, derrubar a cortina de hipocrisia do falso discurso de igualdade de gênero que estava posta.
Contrariando o senso comum, não sou capaz de dar um parecer definitivo sobre o caso, uma vez que não tive acesso a um conjunto substancial de provas que me permita dar um parecer final sobre a questão.
Contudo, antes de continuar em um tom meio “juridiquês”, parece-me, sim, que houve estupro, no entanto, por mais que a indignação em relação ao caso seja oportuna e necessária, vivemos sob um regime punitivo e não vingativo, de modo que o caso deve ser averiguado com maior cuidado, a fim de que a justiça seja alcançada sem arbitrariedades.
Entretanto, ainda que não haja um parecer definitivo, os fatos produzidos já são suficientes para que houvesse solidariedade em torno de uma bandeira que vai muito além de uma pessoa. O fato é que vivemos em uma cultura machista, que ainda vê a mulher como um objeto inferior e que deve ser subjugado. Posto isso, há de se considerar o porquê de o estupro, um crime tão violento, ser relativizado, criando circunstâncias atenuantes para o estuprador, transformando este quase que em vítima, ao passo que a verdadeira vítima acaba sendo culpabilizada por agir de determinado modo.
Andar com roupa curta, ser “fácil”, postar foto com armas, ser drogada, ser mãe aos 13 anos, ser “piriguete”, como dizem na Bahia, nada disso justifica um estupro, tampouco transforma a jovem, no caso em tela, ou seja lá quem for, em responsável por um crime tão degradante. Aliás, justificar significa tornar o ato justo, o que é, no mínimo, irracional, diante da brutalidade que configura um estupro.
O que mais me incomoda é perceber quão egoístas e medíocres muitas pessoas conseguem ser ao condenarem a jovem por algo sobre o que, como se disse, sequer possuem certeza, afinal, uma convicção tenho: nenhum dos que batem o martelo de que não houve estupro têm o poder da ubiquidade para estarem em dois locais ao mesmo tempo, de modo a saber concretamente o que aconteceu no caso.
Sendo assim, esse egoísmo revela apenas a incapacidade de as pessoas lutarem por bandeiras que não são propriamente suas, já que não se trata de defender ou de ter “pena” da garota, mas de perceber que existe uma cultura do estupro e da violência contra a mulher, não somente contra a garota, mas contra todas as mulheres, as quais sofrem enquanto gênero, todos os dias, com o machismo impregnado na nossa cultura.
O estupro é tão somente a última etapa de um machismo que se reverbera diariamente ou será que apenas eu escuto constantemente piadas de mulher no trânsito? Ou apenas eu percebo quão “putos” os homens ficam quando são subordinados a mulheres em seus empregos? A violência sexual, portanto, é a porta final de uma cadeia de machismo que é vista como normal ou, no mínimo, relativizada, como acontece exatamente agora.
É preciso, sim, lutar e defender a igualdade de gênero, pois milhares de mulheres são estupradas diariamente e/ou sofrem com os abusos do machismo canalha e covarde praticado por nós, homens, e, tristemente, por mulheres cegas, como as personagens de Saramago, que não conseguem enxergar um palmo à frente dos seus narizes, bem como não conseguem expurgar a segunda pele chamada egoísmo.
Usando roupa curta, sendo drogada, sendo “piriguete”, sendo pobre, sendo analfabeta, sendo PhD, sendo rica, sendo bela, recatada e do lar, sendo o que for e o que quiser ser, estupro é crime, tem que ser punido dentro da lei, obviamente, e não há circunstância que o atenue, muito menos que torne um crime algo justo.
Para os paladinos da justiça que já bateram o martelo e disseram que não houve estupro e que a mídia deveria se preocupar com o que realmente importa, apenas lamento pelo machismo ainda não ser crime, assim como a burrice. Pena que, nesse caso, configurar-se-ia um evidente “bis in idem”.
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