Quem nunca sonhou em ter um cantinho só seu, com as suas coisinhas queridas no lugar onde você as deixou, o tempo organizado segundo suas necessidades ou desejos, a liberdade de fazer, ou não fazer, seja lá o que for, porque a única pessoa a quem se deve satisfação é você mesmo?
O sonho de morar sozinho acompanha alguns de nós desde a adolescência. Afinal, naqueles momentos típicos de choque entre o que um jovem – bem jovem -, quer ou anseia e os limites estabelecidos pelos responsáveis, são o primeiro disparador responsável por semear na alma de um ser humano o anseio pela real autonomia.
No auge do conflito e dos questionamentos às regras estabelecidas na casa dos pais, cada um de nós sentiu forte essa vontade de partir. Sair das asas familiares e conquistar um espaço de autoria vivencial: a própria casa.
E não há nada nesse mundo mais saboroso do que fatias tenras de autonomia auto conquistada. O prazer de girar pela primeira vez a fechadura e abrir diante de si a porta do seu primeiro lugar adulto de estar no mundo.
E aqueles que foram ao longo de suas vidas aproveitando as mais diversas experiências para colher, aqui e ali, uma liçãozinha… estes têm com certeza subsídios mais concretos sobre os quais construir os alicerces de uma vida por conta própria e ver-se hábil para compreender as delícias de morar sozinho, sem se esquecer ou prever que os percalços são inevitáveis. Inevitáveis e maravilhosos, porque sem eles não há evolução humana.
Por isso, é uma pena que a maior parte das famílias teime em envolver seus filhos numa espécie de casulo individual, a partir do qual as crianças e jovens enxergam o mundo ao seu redor como algo que se materializa e se organiza num passe de mágica. Esses meninos e meninas crescem sem ter a mínima ideia da linha de produção que envolve aquele ovo frito que surgiu prontamente diante deles na hora do almoço ou do jantar.
Filhos criados sem envolvimento com as rotinas domésticas, orçamentos de gastos e outros tantos aspectos da vida real, demoram para compreender que tudo, absolutamente tudo na vida demanda esforço, planejamento, vontade e capacidade de execução.
Aspectos gerais de sobrevivência como: aluguel, contas de luz, gás, condomínio, água, pacote de internet, limpeza, comida, roupas de cama, utensílios de cozinha, material de limpeza, cama, chuveiro, prato, talher, copo, fogão, geladeira… bem, é uma listinha considerável que precisa e deve ser considerada, ANTES de se sonhar em ter um cantinho para chamar de seu.
E é por isso, que esse sonho de morar só é coisa para gente madura, gente que fez desse modo de vida uma opção consciente, gente que é capaz de estabelecer paralelos reais entre prós e contras e, a partir dessa reflexão, escolher. Escolher, ficar satisfeito com a escolha e saboreá-la com vontade e orgulho da própria evolução.
É claro que em algumas situações, há pessoas que são tiradas do conforto do ninho por razões as mais variadas e acabam tendo que aprender “no frigir dos ovos” como é que todas essas coisas funcionam. Nesse caso, ocorre uma espécie de maturação acelerada, porque a demanda é urgente e a vida não fica esperando a gente ficar pronto.
No entanto, é preciso ver com clareza que esses caídos ou expulsos do ninho vão tropeçar um tantinho a mais antes de ter condições de andar saltitantes com suas próprias perninhas, não é mesmo? Uma hora a coisa engrena. Mas até lá…
O fato é que morar só é cada vez mais uma opção para uma variável enorme de pessoas que já provaram o gosto de dividir espaços com pais, irmãos, tios, primos, avós, maridos, esposas, colegas de república, namoradas, namorados e mais outra sorte variada de companheiros de jornada.
Essas pessoas, em diferentes momentos foram sendo cutucadas pelas intrincadas questões que envolvem a disposição de conviver diuturnamente com outra, ou outras pessoas. Aquele que sai em busca de um cantinho só seu, é porque foi transformando esses desafios da convivência de dividir um lar, em motivos para deixar de dividi-lo.
E engana-se aquele que pensa que morar só é sinônimo automático de solidão. Não é. Em verdade há inúmeros casos de pessoas que apenas coexistem na mesma casa. Há outro enorme número de pessoas que adia a saída da casa dos pais por comodismo. E, há ainda uma outra grande quantidade de pessoas que preferem viver uma solidão a dois, a enfrentar o desconhecido de uma vida a sós lá fora.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, cresceu muito o número de empreendimentos imobiliários que ofertam apartamentos de 40m², ideais para uma única pessoa. E esses condomínios acabam se transformando em comunidades de convivência, dentro das quais se estabelece uma rede de serviços, apoio afetivo e ajuda concreta mútuos.
Morar só é uma conquista deliciosa, que envolve a descoberta de uma vida para além das ideias pré-estabelecidas. Muitas pessoas descobrem na paz de uma casa individual, espaços para incluir novos amigos, novas posturas diante do desconhecido, novos talentos, hobbies, o prazer de tomar uma taça de vinho em sua própria companhia, vestido no melhor pijaminha velho e cumprindo uma maratona de séries no Netflix! Ô delícia!
Imagem de capa: racorn/shutterstock