Atire a primeira pedra quem nunca foi mandado embora de um emprego. Ser demitido mexe conosco mais do que pensamos, mas tem um outro ângulo que só entendemos quando mudamos nosso lugar na mesa: demitir também machuca.
Abri minha carteira de trabalho esses dias. Folheei páginas e mais páginas de histórias. Haviam empregos que eu nem me lembrava mais e outros que nunca consegui esquecer. Afinal, a vida profissional de todos nós também é cheia de erros e acertos. Aquele caderninho era só um pedacinho da minha busca por um salário digno porque, afinal, o que aquelas páginas não mostravam era a outra parte da minha peregrinação por um salário digno e reconhecimento: ter sido empresária, ter feito bico por anos nas madrugadas trabalhando em eventos, e ter trabalhado fora do meu país.
Tantas lembranças… Por vezes sem fim me senti sufocada e pedi demissão por não me encaixar. Em outros momentos, me mandaram embora do dia pra noite sem eu nem saber porquê. Já chorei na frente de chefe, já me recusei a assinar demissão injusta, já pulei de felicidade por finalmente não precisar mais pisar em certa empresa e suportar quem eu não suportava. Nunca assinei uma justa causa, embora já tenha mandado patrão pra casa do chapéu quando eles que perdiam a noção.
Um dia fui pro navio, achando que já tinha visto de tudo na vida. Hahahahaha, quanta bobagem. Eu não tinha visto era nada até ter uma chefe romena que era o demônio na Terra. Eles são diferentes de nós, latinos. Vem de países que viram guerras mundiais, que foram destruídos e reconstruídos. Foram criados pra matar e pra morrer, são obstinados por resultados. Ela fazia a gente ficar carregando uma bandeja com 5 kg cheia de garrafas de cerveja e um balde com gelo na piscina com quase 40 graus por horas. E aí de você se não fizesse.
Outros empregos vieram, colegas de trabalho bons e ruins me acompanharam, como a todos nós. A trajetória profissional é diariamente um desafio, uma superação e um exercício de resiliência.
Até que chegou o meu grande dia: eu finalmente era chefe! Confesso, tive medo. Tenho uma vida inteira baseada em receio de ter responsabilidades e criar raízes. Só na infância passei por oito escolas. Quando me acostumava com meus amigos e professores, eu mudava e começava tudo de novo. Minha vida era um botão de RESET sem fim. Só que aí eu era chefe e não dava mais pra recomeçar toda vez que desse errado. Era hora de olhar pra frente e fazer certo da primeira vez.
Junto com a farda do patrão, vem o contratar e demitir pessoas. Contratar é difícil, mas é o começo de um projeto que você constrói com alguém. E, como todos os começos, há energia de sobra e vontade de vencer. Difícil, muito difícil mesmo, é quando esse sonho acaba.
Dar a notícia pra alguém que ela não faz mais parte do quadro de funcionários é muito mais difícil que chefe romena louca. Muito mais difícil do que ir pra casa stressada e fazer um brigadeiro pra pensar nos problemas. Muito mais difícil do que lidar com um erro que pode te prejudicar. Porque demitir é encerrar um ciclo que não é só seu, mas também de outra pessoa que provavelmente tem outra família, esposa, filhos, cachorro.
Demitir alguém é mexer com outra vida. Forçar a pessoa a recomeçar, a se reconectar, a se reencontrar. E mesmo que a gente sempre pense que vai ficar tudo bem, que aquela porta se fecha para que outras possam se abrir, ainda é difícil tocar nessa outra vida e obrigá-la a seguir em frente.
Ou, talvez, seja difícil apenas para pessoas como eu que tem personalidade empática e, da mesma forma que sentem todo o amor e carinho do próximo, também sentem a dor, o desespero e o desamparo correr nas próprias veias, sentindo sempre que a dor do outro é também um pouquinho nossa. E, por isso, também dói.
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