Se eu soubesse que não nos falaríamos mais teria me despedido com mais presença. Sairia por completo daquele velho automatismo. Enxergar-te-ia por inteiro. Daria aquele abraço curativo, bem no estilo da guru Amma. Agora só restam lembranças.
Se eu soubesse que você já tinha se decidido pela partida antes de nos conhecermos, teria feito tudo a meu alcance para dissuadi-lo. Teria buscado ajuda. Mesmo sem seu consentimento. Eu não sabia o quanto você estava sofrendo. Na última vez que nos vimos você estava cheio de planos para o futuro. Eu vi esperança em seus olhos. Será que eu me enganei?
A chegada da primavera fez desabrochar mais do que flores em nossa paisagem. Ressurgiu aquele sentimento suprimido há anos, desde que você se foi. Como transmutar a dor de uma perda brutal? Quem pode pressentir o inimaginável?
O suicídio em nossa sociedade ainda é um mistério. Durante o mês de setembro, campanhas públicas e privadas ressaltam a importância de se falar sobre o tema. Alguns informativos versam sobre a importância de identificar os sinais de uma possível tendência suicida em alguém próximo. Outros tratam de listar grupos de ajuda para os familiares e amigos, uma vez que eles são as principais vítimas dessa crescente epidemia social.
Pensemos, por um momento, no suicídio como uma espécie de explosão atômica. Quanto mais próximos do suicida, mais atingidos seremos pelos seus efeitos nefastos. É uma experiência que não passa sem deixar feridas profundas naqueles que ficam.
O que pode ser dito que contribua para que todas as vítimas (inclusive o autor) sejam vistas por nossa sociedade com mais compaixão? Quem passou pela experiência de perder alguém próximo que cometeu suicídio, sabe que o pacto de silêncio será seu novo companheiro. Sempre que a história for mencionada, será por meio de sussurros. Num canto da sala. Por que não podemos falar abertamente sobre aquele parente, amigo, companheiro ou até mesmo colega de trabalho, que tirou a própria vida?
Que fique claro que não se trata de exposição indevida da intimidade das vítimas. A compaixão permite que o suicídio seja entendido como parte de todos nós. Não se trataria mais de um problema do outro. Implicaria em abrir mão de nosso ideal de sociedade com pessoas bem ajustadas e saudáveis. Émile Durkheim, no campo da sociologia, relacionou o suicídio a fatores produzidos pela própria sociedade, em cada época. Ora se os gatilhos são criados por nós mesmos, por que não conseguimos desarmá-los? Qual a razão para se cometer esse ato tão difícil de ser digerido?
O importante não é somente descobrir os motivos que levam alguém a tomar essa decisão final e sim como gerar uma cultura que trate aos seus semelhantes com mais amorosidade. De como uma escuta atenciosa ou nossa simples presença pode contribuir para mudar uma vida.
Osho, em seu livro chamado “Why is love so painful“, descreve um tipo de suicídio que se processa aos poucos no indivíduo. O suicídio lento. É pesaroso imaginar que a pessoa já estava morrendo antes de cometer o suicídio. Osho entende que a coragem de cada um para embarcar na aventura chamada amor seria a solução. Amor em seu sentido amplo.
Que não precisemos nos falar depois. Que possamos falar agora o que está guardado em nossos corações. Que não causemos mais feridas a nós e aos outros com nosso silêncio. Que todos os seres possam ser tratados com compaixão e assim se verem livres do sofrimento.
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