Já foi a época que a criatura desconfiada corria para abrir cartas alheias na boca da chaleira, para aplacar seus medos ou confirmar suas desconfianças.
Hoje o martírio de um desconfiado está em outro nível, uma verdadeira caça de tirar o fôlego e a razão. As opções que um desconfiado precisa identificar, formam um jogo perigoso que pode consumir tanto mais tempo quanto maior for a presença do seu alvo nas redes e aplicativos sociais.
Desconfiar de alguém e viver uma constante caça, é sofrer com conclusões de uma lógica única, particular, tendenciosa e pessoal.
Mapear os movimentos de alguém, utilizar o tempo disponível com esse propósito, é dar um tiro no próprio pé, é ferir-se espontaneamente, é se desrespeitarem alto e nocivo grau.
O ouvido na porta, o olho na fresta, a armadilha jogada, a senha roubada, tudo isso revela um alto grau de sofrimento, de detrimento, de enfraquecimento.
Desconfiança não é curiosidade. Desconfiança é muito pior. É buscar desesperadamente estar dentro da vida privada do outro, ser a mosquinha que tudo assiste, ter a fofoca em primeira mão, às vezes o alívio, outras, a decepção.
Desconfiar é meter a mão no formigueiro e culpar o outro pelas feridas da própria decisão.
Se eu desconfio, não confio. Se não confio, não faço revelações, não contabilizo promessas, não faço planos nem sonhos.
Se eu desconfio e não confio e ainda assim eu fico, sofro. Sofro porque preciso provar que estou errada, que minha desconfiança é loucura, que meus instintos me traem, que minha razão falha.
Se provo, depois me culpo.
Se não provo, me decepciono.
E sofro pelas duas razões.
Que eu possa ser livre o suficiente para deixar, livre, dar corda, confiar e ser de confiança!