A atriz Lorenna Mesquita estreia hoje, em São Paulo, o solo teatral Florbela Espanca – a hora que passa. O espetáculo é resultado de três anos de pesquisa da atriz sobre a vida e obra dessa grande poeta portuguesa, conhecida pela intensidade com que escrevia e por apresentar ideias muito avançadas para a década de 20 e ainda bastante atuais, sobretudo em relação ao comportamento feminino. Inclusive, pela postura que adotava em sua vida, Florbela é considerada uma das primeiras feministas. Mas a poeta não levantava nenhuma bandeira social ou política. Apenas queria ser respeitada e ter os mesmos direitos que os homens possuíam na época em que viveu.
Há mais de um ano em cartaz, a montagem já foi vista duas vezes em Portugal, em temporadas de 40 e de 30 dias por 19 cidades; além dos Estados Unidos e Cabo Verde. No Brasil, o espetáculo esteve em três temporadas em São Paulo e também viajou para Belém do Pará, terra natal da atriz onde há uma grande colônia portuguesa.
Desta vez, a reestreia do espetáculo terá um sabor especial. Lorenna Mesquita está grávida de oito meses e vai ficar em temporada até o fim de julho, quando entra no nono mês de gestação. Na sua gravidez, seu desejo é pelo palco.
“Apresentar Florbela grávida é muito mágico. Já passei por três etapas da gravidez e cada uma delas foi diferente. Quando apresentei o espetáculo nos Estados Unidos, no início de janeiro, eu desconfiava da gravidez, mas ainda não tinha certeza. Lembro de ter passado a mão na barriga durante uma cena. De volta ao Brasil reestreei Florbela em São Paulo e já sabia que estava grávida. Mas a barriga ainda não aparecia e o público nem desconfiou. Foi uma temporada difícil, pois no início da gestação sentia dores (por conta da expansão do útero) e algumas movimentações precisaram ser adaptadas. E agora, com essa barriga enorme, também tivemos que modificar algumas marcações que eram feitas no chão.”, comenta.
Para o público também será inusitado ver uma Florbela grávida. “Em Cabo Verde, o escritor português Rui Zink disse que iria ver pela primeira vez um monólogo com duas pessoas no palco. Até então, eu não tinha me dado conta que de fato o público iria ver um espetáculo diferente. É impossível ignorar que esta mulher está grávida. E tudo o que ela diz durante o espetáculo e com toda a força que possui, acaba sendo um contrasta com essa barriga aparente. O teatro é sempre único. Cada sessão é diferente da outra. E desta vez, é mais diferente ainda.”, reforça a atriz.
Com direção de Fabio Brandi Torres, o solo teatral apresenta Florbela Espanca como uma mulher angustiada e ao mesmo tempo forte, exigindo da atriz uma carga emocional muito grande. Lorenna Mesquita conta que numa das primeiras sessões em São Paulo, chegou a sair do teatro com dores no peito que só passaram após alguns dias. “Mexemos com sentimentos muito fortes. Além da angústia, tem a tristeza da Florbela por ter sido tão incompreendida e se sentir abandonada e esquecida por sua família e rodas sociais”, conta. A montagem também apresenta uma Florbela apaixonada, querendo amar a tudo e a todos; uma Florbela irônica, debochando da vida, altiva. “Procuramos mostrar as várias faces dessa mulher, que é contraditória em suas ações e suas palavras de acordo com cada momento da vida. Ela, como cada um de nós, muda de pensamento segundo suas nossas experiências. E é justamente essa a grande riqueza do espetáculo: mostrar a pessoa por detrás daqueles versos”, comenta a atriz.
É por isso que mesmo quem não conhece a poeta portuguesa e assiste o espetáculo também se emociona. A peça não é um recital de poesia, são as ideias de Florbela Espanca apresentadas num fluxo de pensamento, durante a hora que antecede a sua morte. Ela fala de destino, amores, dores, sonhos, desilusões, paixões. É um espetáculo para quem quer ouvir sobre vida e se emocionar.
Florbela Espanca – a hora que passa
Temporada: 2 a 30/7
Sempre às quintas-feiras
Hora: 21h
Local: TOP Teatro – Rua Rui Barbosa, 201. Bela Vista – São Paulo
Ingressos: 30 reais
50% de desconto para os seguidores das páginas CONTI outra, artes e afin e Mia Couto
Abaixo, a CONTI outra, artes e afins traz uma entrevista exclusiva com a atriz, feita por Nara Rúbia Ribeiro.
Lorenna, você consegue se lembrar da primeira vez em que teve contato com a poesia de Florbela? Como foi? Quando surgiu o interesse na séria pesquisa sobre Florbela e sua obra?
Quando descobri as poesias da Florbela Espanca, eu me apaixonei perdidamente. Eu queria saber quem era aquela mulher que escrevia com tanta intensidade, às vezes por meio de metáforas que transmitiam cores, cheiros, imagens capazes de nos fazer sentir exatamente o que ela estava sentindo; outras vezes de forma crua e dura. Na época, eu estava procurando um monólogo, mas não encontrava nenhum texto que me tocasse de verdade. Eu queria alguma coisa profunda, que pudesse emocionar o público. E quando me deparei com os poemas de Florbela, eu senti que realmente havia encontrado o que eu tanto procurava. E pressentia que esse trabalho iria mudar a minha vida.
O monólogo “Florbela Espanca – A hora que passa” é muito festejado pela crítica e aplaudido por aqueles que tiveram o privilégio de assistir. Diga-nos como foi escrito o monólogo. Você mesmo o escreveu? Ele virou livro?
Eu comecei a pesquisa da obra de Florbela Espanca em 2011 e dois anos depois eu tinha em mãos um texto dramatúrgico de 3 horas de espetáculo. Eu sentia que ainda não seria o texto final, que faltava lapidá-lo. E decidi viajar a Portugal para conhecer as principais cidades em que ela viveu: Vila Viçosa (nascimento), Évora (juventude) e Matosinhos (morte). Eu tinha que respirar os mesmos ares, olhar para as ruas onde ela havia andado, ver as casas em que ela morou, mesmo que não conservadas. Em Matosinhos, consegui entrar na casa em que ela viveu com o terceiro marido. Visitei todos os cômodos, inclusive, o quarto onde ela teria cometido o suicídio. Todas essa imagens foram muito enriquecedoras para a minha pesquisa e para o meu trabalho como atriz. De volta ao Brasil, conheci o diretor e dramaturgo Fabio Brandi Torres e o convidei para o projeto. E juntos fizemos experimentações em sala de ensaio e construímos uma nova dramaturgia, a que o público conhece hoje e que também virou livro. Inclusive, o livro traz fotos do Vagner Click, com a primeira experimentação pública da peça.
Diga-nos sobre a sua experiência internacional com esse espetáculo. Como tem sido levar a emoção de Florbela a outros países? Como foi participar das festividades de aniversário de Florbela em sua terra natal?
A receptividade do público nos outros países tem sido um grande presente. Sempre vemos pessoas muito comovidas na platéia, com os olhos marejados. Isso ocorre porque no espetáculo falamos sobre vida e esse é um assunto universal. Em Portugal, ainda foi mais especial, porque ouvimos dos portugueses que mostramos a eles uma Florbela que eles não conheciam, que “precisou vir uma brasileirinha apresentar Florbela pra gente”. Saber disso foi tão gratificante. E voltar com esse espetáculo nos 120 anos de nascimento da poeta, foi ainda mais especial. No dia do aniversário dela, em 8 de dezembro, em Vila Viçosa, fui convidada para declamar em praça pública, na frente do seu busto, o poema “Amar!”. Nessa hora passou um filme na minha cabeça. Eu havia estado naquele mesmo local, em 2013, para pesquisar sobre sua vida e pouco mais de um ano depois, eu estava declamando um poema de Florbela para a comunidade no dia do aniversário dela. Não agüentei a emoção e recitei o poema chorando.
E, para finalizar, Lorenna Mesquita tem muito de Florbela? Se você pudesse definir essa sua experiência com a poesia de Florbela em uma só palavra, que palavra seria?
O que eu tenho de Florbela é a intensidade. Quando eu me entrego a alguma coisa ou a alguém, é com minha alma que eu faço isso. É por isso que viver Florbela Espanca em cena é sempre muito forte. Eu não consigo fingir. Tudo o que eu faço ou falo, como Florbela, é de verdade. E também tem uma mistura de sentimentos. Florbela mudou a minha vida. Transformou minha carreira como atriz e me deu a família que eu tenho hoje. Esse filho que tenho na barriga é fruto desse projeto, da minha união com o Fabio Brandi Torres, resultado de um grande encontro que vida e Florbela me deram de presente. Se for para resumir em uma só palavra essa experiência, a palavra é GRATIDÃO.