Hoje é dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, e de repente muitas lembranças de minha infância vieram à tona junto com a música “Romaria”, de Renato Teixeira. A música é comovente e nos remete às nossas origens, à lembrança dos avós na varanda esperando a procissão, ao cheiro de incenso, às velas acesas na copa, à simplicidade daqueles que nos ensinaram a rezar e um tributo à fé dos peregrinos e de todos nós, que em um momento ou outro, nos curvamos com humildade esperando uma resposta ou milagre diante dos mistérios da vida.

De repente me vi com desejos de simplicidade. Carente de tudo que me lembra tardes chuvosas, passeio de bicicleta por ruas de paralelepípedos, café em canecas de ágata descascadas pelo tempo e fé de cidade pequena proclamada pelos sinos da igreja. Neste momento não preciso de nada além das paredes caiadas da casa de minha avó, da lembrança de seu tanque de cimento próximo à roseira, dos trocados que ela guardava na lata de biscoitos, do ranger das tábuas no chão sob meus pés.

As memórias de família enriquecem nosso repertório de significados, valores, fé e tradições. E nos acolhem naqueles momentos de dúvida, falta de sentido diante das inconstâncias da vida e descrença no futuro. Quem tem histórias de afeto ao redor de uma mesa simples, alegrias miúdas contadas através de causos de família, fé aprendida e praticada na intimidade, e melodia de tempos felizes numa voz antiga não se entristece à toa.

A vida é cheia de fases. Há momentos de buscar a novidade, de evoluir e aprimorar, de buscar uma certa elegância e requinte. E há momentos de resgatar o que é simples, descobrindo, como disse Leonardo da Vinci, que “a simplicidade é o último grau de sofisticação”.

É preciso não perder o encanto das coisas simples. Conseguir entender de poesia ao observar o tracejado das veias nas mãos finas do pai, decifrar delicadezas na marcha de pés descalços do filho, sensibilizar-se com o cheiro de simplicidade que só um bom refogado de cebola e alho traz, não se distrair dos sons de uma casa cheia de histórias, e correr o risco de chorar um pouquinho ao se lembrar dos quintais e ruas da infância.

Nas minhas horas de solidão quero agradecer tudo o que tive e me trouxe até aqui. Tudo que me apazigua a alma e traz consciência de que minha história ainda é linda e coerente, pois dela fez parte meu avô molhando o pão no leite, minha avó cantando enquanto esfregava roupas no tanque, minha mãe rezando em nossa cama à noite, meu pai me ensinando ciências, minha tia mandando a gente raspar o prato sem dar um pio. Não quero lamentar o que eu poderia ter tido e não tive, pois embaixo dos telhados de minha existência conheci e vivi tudo o que amei e ainda me sustenta: vestígios de uma vida jardineira, semeadora de contradições e buscadora de simplicidade…

Imagem de capa:  Cultura Motion/shutterstock

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Fabíola Simões

Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.

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