Psicologia e comportamento

“A destrutividade é a consequência de uma vida não vivida”: considerações de Erich From

Por Nando Pereira

Do original: “A DESTRUTIVIDADE É A CONSEQUÊNCIA DE UMA VIDA NÃO VIVIDA”: ERICH FROMM EXPLICA A ENERGIA PELA VIDA E PELA DESTRUIÇÃO.

O psicólogo, filósofo humanista e sociólogo alemão Erich Fromm (1900-1980), conhecido popularmente por seu livro “A Arte de Amar” (1956), não é obviamente a única referência a definir as origens da destrutividade e agressão humanas, mas é uma das fontes mais interessantes sobre o assunto, e o que impressiona é essa relação direta que traça entre a destrutividade e o viver sem vida, sem expressão, sem espontaneidade – um realidade contemporânea apesar de nossa aparente liberdade. Uma das partes do seu trabalho foi estudar o caráter humano e os dois trechos abaixo buscam decifrar essa característica da destrutividade, que, segundo ele, seria uma transformação da energia da vida gerada a partir dos cerceamentos da expressividade espontânea do viver.  O primeiro trecho é do livro “Em Nome da Vida: Um Retrato Através do Diálogo”, publicado 6 anos após sua morte mas que contém a transcrição de palestras que Fromm realizou em 1970 para uma rádio alemã. O segundo é do seu primeiro livro, “O Medo à Liberdade” (Escape From Freedom), de 1941, da época em que Fromm viveu nos Estados Unidos, retirado da Europa depois da tomada do poder na Alemanha pelo partido nazista.

Fromm geralmente usa o termo destrutividade, talvez porque se refira a comportamentos consolidados nas pessoas, mas acredito que seja possível incluir o conceito de agressão nas duas descrições abaixo. Não a agressão no sentido “saudável”, digamos assim, como Fritz Perls definiria, mas a “agressão anti-social”, contra os outros ou contra si mesmo. Uma interpretação particular dessa agressividade, e que pode servir de convite à mais reflexões nossas aqui, incluiria a agressividade mais comum, como a postura repetidamente crítica como traço de caráter ou a “contrariedade” como maneira de relacionamento com o mundo.

Uma ressalva importante é que essa destrutividade precisa ser compreendida no contexto mais amplo do trabalho inteiro de Fromm, onde ele apresenta a importância das assimilações sociais e o conceito da “liberdade de” (diferente da “liberdade para”), que indica claramente a influência de um ambiente cerceador.

Seguem os dois trechos:

“Em última análise, pode-se dizer que uma pessoa que não encontra alegria na vida tentará vingar-se e preferirá destruir a vida a sentir que não consegue encontrar qualquer sentido em sua vida. Pode estar ainda viva fisiologicamente mas psicologicamente está morta. É isso que dá origem ao desejo ativo de destruir e à necessidade apaixonada de destruir tudo, incluindo a própria pessoa, em vez de confessar que nasceu mas não logrou se tornar um ser humano vivo. Isso é um sentimento amargo para quem o experimenta e não nos entregamos a mera especulação se admitirmos que o desejo de destruir decorre desse sentimento como uma reação quase inevitável.”
~ Erich Fromm, em “Em Nome da Vida: um Retrato Através do Diálogo” (For The Love of Life, 1986)

“Parece que a quantidade de destrutividade encontrada nos indivíduos é proporcional à quantidade em que a expansividade da vida é cerceada. Não estou me referindo às frustrações individuais deste ou daquele desejo instintivo, mas à frustração do todo da vida, ao bloqueio da espontaneidade do crescimento e da expressões das capacidades sensíveis, emocionais e intelectuais do homem. A vida tem um dinamismo interno por si mesma; a vida tende a crescer, a ser expressada, a ser vivida. Parece que se essa tendência é cortada, a energia dirigida à vida passa por um processo de decomposição e muda em energias dirigidas à destruição. Em outras palavras, a vontade de viver e a vontade por destruir não são fatores mutuamente independentes, mas estão em uma interdependência revertida. Quanto mais a vontade em direção à vida é cerceada, mais forte é a energia pela destruição; quanto mais a vida é realizada, menor a força da destruição. A destruição é a consequência de uma vida não vivida. As condições individuais e sociais que geram a supressão da vida produzem a paixão pela destruição que cria, por assim dizer, o reservatório da qual as tendências hostis particulares – seja contra os outros ou contra si mesmo – são nutridas”.
~ Erich Fromm, em “O Medo à Liberdade” (Escape From Freedom, 1941)

Nota da Conti outra: a publicação do texto acima por esta página foi autorizada pelo autor.

Fonte mais do que indicada:

Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe!

CONTI outra

As publicações do CONTI outra são desenvolvidas e selecionadas tendo em vista o conteúdo, a delicadeza e a simplicidade na transmissão das informações. Objetivamos a promoção de verdadeiras reflexões e o despertar de sentimentos.

Recent Posts

Marcelo Rubens Paiva fala sobre Fernanda Torres no Oscar: “Se ganhar, será um milagre”

O escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspirou o filme Ainda Estou Aqui,…

14 horas ago

Série que acaba de estrear causa comoção entre os assinantes da Netflix: “Me acabei de chorar”

A produção, que conta com 8 episódios primorosos, já é uma das 10 mais vistas…

1 dia ago

Além de ‘Ainda Estou Aqui’: Fernanda Torres brilha em outro filme de Walter Salles que está na Netflix

A Abracine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) considera este um dos 50 melhores filmes…

1 dia ago

6 nomes femininos com lindos significados que merecem voltar à moda

Os nomes próprios carregam mais do que apenas uma identidade. Eles revelam histórias, culturas e…

2 dias ago

Filme só para maiores que está escondido na Netflix merece toda a sua atenção

Este filme que fez enorme sucesso nos cinemas e agora está disponível na Netflix retrata…

2 dias ago

Filho de Sandy e Lucas Lima faz rara ‘aparição’ nas redes sociais; veja!

Theo, de 10 anos, esteve com o pai no show do Linkin Park em São…

2 dias ago