“Não tomarás o nome de Deus em vão” é o que me vem à cabeça quando quero falar sobre Deus. Minha relação com Deus é bem pessoal, aliás, a fé sempre é algo muito individual, e prezo guardá-la para mim. Em outras palavras, não costumo falar de Deus. Escrever ainda menos.
Hoje, todavia, gostaria de compartilhar com você algumas coisas sobre mim e sobre Deus em minha vida. Desconfio, porém, que não será fácil, pois Deus talvez seja para mim bem diferente do que é para você. Mas isso seria normal, já que, como dito, nossa relação com Deus é sempre algo bem individual.
Peço-lhe que leia minhas palavras com o coração aberto. Escrevo sem qualquer pretensão de melhor saber, sem qualquer intenção de julgar ou classificar e muito menos de missionar ou convencer-lhe do que quer que seja. Tudo que quero é partilhar um pouco de mim com você.
Bom, aqui já vem a primeira dificuldade que tenho ao falar ou escrever sobre Deus: tenho que repetir a palavra Deus muitas vezes, já que não posso dizer “Ele”. Não posso dizer Ele porque Deus para mim também é Ela. Deus é homem e Deus é mulher e a palavra Deus não tem artigo, não é “o Deus”, não é “a Deus”, é simplesmente “Deus”.
Como Deus poderia ter um gênero se somos sua imagem e semelhança e se somos homens e mulheres? Não seria um Deus masculino um Deus incompleto, capenga, não lhe faltaria uma de suas metades?
Sempre tive certa dificuldade de rezar o “Pai Nosso” por sentir falta da “Mãe Nossa”, mesmo que a Igreja Católica tente compensar a incoerência do gênero divino com o lado materno de Maria. Não vejo Maria como a Mãe de Deus, mas como parte de Deus, como toda mulher e como todo homem.
É claro que esse aspecto de sermos semelhantes a Deus é bem mais profundo. Não somos semelhantes por termos um nariz parecido ou olhos da mesma cor. Nossa semelhança é em outro nível, no espiritual, já que (assim acredito!) somos almas que habitam corpos e é como almas que nos assemelhamos a Deus. Para mim, Deus é uma alma, uma alma como eu e como você. E alma não tem gênero.
Se acredito que somos (todos!) imagem e semelhança de Deus, então acredito que Deus é homem e é mulher. E vou até mais longe: Deus é adulto(a) e é criança, é jovem e é idoso(a), é branco(a) e é negro(a), é alto(a) e é baixo(a), é gordo(a) e é magro(a), enfim, Deus está em todos nós e todos nós, sem exceção, somos um pedaço de Deus.
Sei que o conceito de Deus por aí normalmente é outro. Eu mesmo cresci aprendendo que havia um Deus em algum lugar lá em cima, um velhinho barbudo e poderoso mais no estilo de chefe, que, sentado em um trono dourado, olhava para nós, nos perseguia, vigiava e sabia de tudo que fazíamos de errado, de nossos pecados. E ele nos castigava quando merecíamos. Era o Deus das proibições. Eu escutava que “Deus vai castigar” e lembrava-me de Raul Seixas cantando que “não via Deus, achava assombração”.
Essa imagem para mim não batia e não bate até hoje porque ela é incoerente. Esse Deus (idoso, masculino, severo) muito mais parece criação humana e nada divina.
Se Deus é amor, então não há hierarquia, pois não há hierarquia no amor; se Deus é justiça, então Deus não fará questão nenhuma de se sentar confortavelmente num trono, enquanto nós penamos pelo mundo; se Deus nos dá o livre arbítrio, ele então aceita nossa liberdade de agir (ou deixar de agir) sem ficar todo o tempo nos ameaçando com castigos; se Deus é bondade, então eles nos aceita assim como somos, incompletos e imperfeitos; e se somos sua semelhança e somos almas, então Deus também é uma alma.
Já teve gente protestando severamente por eu ter suposto que Deus é, como nós, também uma alma e já fui acusado de prepotência por dizer isso. Fui acusado de não reconhecer que Deus seria muito maior que tudo e que todos nós.
Sim, sei que o que digo pode soar prepotente, mas somente quando se entende que quero nos elevar ao mesmo nível de Deus, entretanto, não é isso que digo.
É claro que Deus é bem superior a todos nós, mas é exatamente aqui que está o x da questão: por ser uma alma mais desenvolvida, Deus sabe que esse negócio de ser ou não superior não é importante, que isso de nada conta e não nos leva a lugar algum. É exatamente por ser tão grande que Deus prefere ser pequeno, por entender que a verdadeira grandeza está na simplicidade, que a verdadeira força está na coragem de assumir a própria fraqueza e que se é mais poderoso ao sentar-se num tamborete ao lado de alguém que precisa de ajuda do que em um lindo trono de ouro nas nuvens, longe de tudo e de todos.
Acho importante entender o conceito de alma, pois é exatamente nele que nos desprendemos de definições que nos limitam, já que é nele que deixamos de nos definir por gênero, raça, tamanho ou seja o que for. Como almas, somos livres de tudo isso.
No plano terreno, como corpo e matéria, podemos até nos classificar, nos rotular de feios e bonitos, de burros e inteligentes, de ricos e pobres… Assim, uma enorme vala pode, por exemplo, parecer separar um homem simples, negro, lavrador, pobre, analfabeto de um outro homem, branco, sofisticado, empresário, milionário, estudado. Porém, suas almas são iguais, no sentido de terem o mesmo valor, aliás, de NÃO terem valor algum, já que, no nível espiritual, somos livres também de valer ou deixar de valer o que quer que seja. Suas almas estão no mesmo nível, não havendo qualquer superioridade ou inferioridade entre elas.
Uma vez, conversava com minha avó e ela me contava sobre os espíritos. Curioso, quis saber se realmente haveria espíritos à minha volta, se eles realmente estariam ali e ela confirmou que sim.
Quis saber mais e perguntei quem eram esses espíritos, essas almas ali por perto, se eram parentes falecidos, antepassados e se eu os conhecia. Ela sorriu carinhosamente, olhou-me sério e disse que isso não era importante e que, como almas, não somos eu e você, não temos nome, não somos parentes ou antepassados. Ela disse que, como almas, simplesmente somos, simplesmente estamos juntos e fazemos parte de um todo, de uma energia, de uma luz de infinita bondade, que nos envolve e ampara, nos aceita e nos dá o sentimento de termos chegado em casa. Ela completou dizendo que esse todo seria Deus e que nós, como almas, encarnadas ou não, seríamos seus braços e que estaríamos aqui para trabalhar e fazer deste mundo um lugar um pouco melhor.
Ao escutar o que me dizia minha avó, eu sabia que ela tinha razão, pelo menos para mim, pois ali senti coerência e sabia que é nesse/nessa Deus (esse todo do qual todos fazemos parte) que acredito, sem gênero, sem raça, sem idade, sem hierarquia, uma alma como nós.
Para mim, então, acreditar em Deus é ser um pedaço desse todo, é ser parte dessa sua luz e, assim, é ser luz também.
Falar de Deus, já disse, não é tarefa fácil. Na verdade, sei que nem é possível dizer tudo, já que não há palavras que traduzam certas coisas, já que tem coisas tão profundas que nem dá para explicar, mas espero que, ainda assim, eu tenha conseguido passar para você um pouco de minha forma de ver e me relacionar com Deus.
Sou-lhe grato por ter tomado um pouco de tempo para ler essas minhas palavras. Obrigado e fique com Deus ?
E você? Como é que você vê Deus?
Imagem de capa: illustrissima/shutterstock