Há quem acredite que quando nos sentimos muito bagunçados por dentro, costumamos ser acometidos por um desejo quase irresistível de arrumar as coisas do lado de fora. Até que faz sentido. De qualquer forma, é inegável o fato de que quando tiramos o dia para colocar algumas coisas em ordem, externamente, acabamos nos deparando com coisas muito significativas para nós, internamente.
Limpar, revirar, arrumar, trocar de lugar, livrar-se. Qualquer um desses verbos cabe perfeitamente, tanto em situações concretas quanto abstratas, a depender da nossa disponibilidade e nível de desapego para o momento. Quem de nós já não encontrou caixas de cartas, ou fotos antigas, enquanto limpava um armário ou uma gaveta. O simples encontro casual com registros afetivos, abre portas de ressignificação dentro de nós. Dificilmente, conseguiremos dar prosseguimento à faxina externa, sem antes nos permitirmos dar uma boa visitada nas lembranças. E, de repente, bem ali num dos cantos guardados e esquecidos do guarda-roupas ou de uma gaveta qualquer, dormia uma versão antiga de nós que amou alguém que não ama mais, que usou uma roupa que já não serve mais, que tinha um olhar que ficou para trás.
Revirar a vida é altamente terapêutico, nem que seja uma revirada aparentemente sem grandes proporções. Basta ousar um pouquinho e colocar de ponta cabeça algumas velhas convicções. Tomar um banho frio, quando se está acostumado à moleza que proporcionam os banhos quentes. Mudar o cabelo de lado, usar um batom vermelho, experimentar uma fruta exótica, dançar no chuveiro, sorrir para o espelho. Conversar com um estranho na rua, ir a pé para o trabalho, escrever uma poesia, bater um papo com a lua.
E, depois de revirar, arrume. Arrume tempo para ver os amigos ao vivo; olhá-los nos olhos, abraçá-los sem pressa, rir de lembranças tolas, se perder em tolas conversas. Arrume um jeito de ajudar alguém; pode ser o vizinho com as sacolas do mercado, pode ser o porteiro com um sorriso mais caprichado e um bom dia mais bem cuidado; pode ser a moça do cafezinho, com um sincero e iluminado “muito obrigado”. Arrume uma forma de ouvir-se, sentir-se, reencontrar-se. Às vezes não temos mesmo nada para dar, pelo simples fato de que nem sabemos por onde começar. Mas isso não importa! Mesmo que o que se tenha a oferecer seja quase nada, quase nada já é alguma coisa, qualquer coisa que possa trazer ao dia de alguém uma surpresa, uma delicadeza que não é esperada.
Aproveite a onda de entusiasmo e troque tudo de lugar. Troque a preguiça, por vontade; troque o mau-humor por leveza; ponha alegria no lugar da tristeza; troque toda a frieza por bondade. Troque uma vida previsível por algum sonho que ficou perdido; troque a comodidade da rotina pelo risco de um talento novo, desconhecido. Troque a certeza que aprisiona pela pergunta que liberta; a mágoa que azeda a alma pelo perdão que alforria; a expectativa que impede de enxergar outra possibilidade, uma nova perspectiva uma outra vida.
E já que a vida que se tem agora é sempre provisória, livre-se de tudo aquilo que te resume e aniquila. Jogue fora velhos costumes, cuja razão você nunca conheceu. Descortine as janelas e os olhos, deixe o ar parado fluir, encante-se com outras paisagens, outras paragens, outros lugares. Abra espaço, abra os braços, deixe a vida acontecer. Pare de querer ter o controle de tudo, a cada momento, a cada instante. Permita-se respirar, acolher-se, relaxar. Hoje é dia de brincar na chuva! Dia de perfumar os cabelos e levar a alma para passear. Dia de mergulhar em águas desconhecidas, de subir montanhas coloridas. Dia de se perder para se encontrar!