Olhei para o que escrevi e estou satisfeita. Fiz o que queria fazer.
Gosto de viver. Já estive, por vezes, louca de desespero, terrivelmente infeliz, dilacerada pela dor, mas ao longo de tudo isso, soube sempre, com bastante certeza, que o mero facto de estar viva é algo grandioso.
Nasceu em 1890 e faleceu no ano de 1976. Entre o hiato que percorre as duas datas, Agatha Christie (AC) viveu intensamente, a nível pessoal e literário. A presente autobiografia traça a vida da escritora até aos seus setenta e cinco anos (de 1890 a 1965). Feitas as contas, só não estão incluídos no livro os últimos onze anos da sua vida. Começou-o em 1950 e as primeiras páginas foram escritas aquando da sua estada no Iraque. Levou quinze anos a escrevê-lo, tendo a obra publicada postumamente, em 1977, um ano após a sua morte; AC queria que a sua autobiografia viesse à tona ‘post mortem’ (este seu desejo é compreensível. E se é. Todas as suas memórias, as boas e as infelizes, ficaram impressas no livro e ela menciona algumas pessoas com quem não se deu bem, e que porventura, podiam ficar ressentidas. Não que ela se importasse, longe disso, mas o bom senso sempre fez parte da sua índole). A introdução está feita. Vamos aos factos.
As suas peripécias enquanto menina, a sua adolescência rebelde, os primeiros amores e suas nostalgias fazem parte das suas recordações. A sua infância é descrita com os máximos detalhes, por ter sido uma fase da sua vida onde estabeleceu contacto com o mundo do imaginário — mal ela imaginava que as suas brincadeiras com os seus amigos fictícios iriam continuar pela vida fora. A seguinte citação prova isso mesmo: «Sempre fui sobrecarregada pela imaginação. Isso serviu-me bem na minha profissão.»
Desde muito pequena que AC tomou o gosto pela leitura e escrita, devorando livros atrás de livros. Começou por escrever poemas, que de vez em quando eram publicados em jornais locais. Nunca, jamais, passava pela cabeça de Miss Christie que um dia se tornaria escritora: «Seria muito mais interessante se pudesse dizer que sempre sonhei em ser escritora e que estava determinada a consegui-lo, um dia, mas honestamente tal coisa nunca me passou pela cabeça.» O seu gosto pela música clássica, pelas aulas de piano, pela dança e pela matemática, em nada a fazia prever o rumo que a sua vida lhe iria reservar.
Como surgiu o seu primeiro livro, ‘O Misterioso Caso de Styles’? «Foi enquanto trabalhava no dispensário que pensei pela primeira vez em escrever uma história policial.» E escreveu-o. «Eu escrevera um livro policial; este fora aceite e ia ser publicado. Para mim, o assunto acabava aí.»
Contudo, escreveu o primeiro, e assinou um contracto com a editora, que obrigava-a a escrever no mínimo mais quatro. Esta foi a força-motriz que a fez escrevê-los, mas por obrigação e por dinheiro: «o melhor de escrever naquele tempo, era que eu relacionava o trabalho directamente com dinheiro. Eu era uma amadora total, não tinha nada de profissional. Para mim, escrever era um divertimento. Como biscate, escrevia livros.» A afirmação revela o seu carácter sincero e humilde.
A ‘Duquesa da Morte’ durante a primeira e segunda guerra mundial, voluntariou-se para ajudar os combatentes vitimados, prestando serviços de saúde em hospitais. Ajudando as enfermeiras e médicos serviu-lhe de bastante, pois teve que aprender para que servia os compostos químicos que utilizava para acalmar a dor de tantos enfermos, e isso serviu-lhe de muito útil para ter um ‘know how’ para as tramas dos seus futuros policiais. No entanto o período turbulento da guerra, não fez com que ela pusesse a escrita de lado: «Nunca tive dificuldade em escrever durante a guerra.»
Se pensam que neste livro AC fala muito nos seus livros, de onde vinha as ideias para escrevê-los, não, não o faz. A extrema maioria das páginas falam da sua vida privada, da família, dos amigos e das suas viagens (abro parêntesis para alertar que Agatha sempre fez questão de manter privada a sua vida pessoal, enquanto viva; é conhecida a sua aversão a entrevistas e acontecimentos sociais) Claro que a autora revela como fez nascer Poirot e Miss Marple e outros personagens, e cita alguns dos livros que mais prazer obteve em escrever, independentemente de terem sido um sucesso ou não de vendas: «O único livro que me deixou completamente satisfeita foi ‘Ausente na Primavera’. Escrevi esse livro em apenas três dias. O resultado final foi aquele que eu desejava, e isso é a maior alegria que um autor pode ter.» Acrescento que esse livro, curiosamente foi escrito sob o pseudónimo de Mary Westmacott.
No seu primeiro casamento com o coronel Archie, e já depois do nascimento de Rosalind, a filha de ambos, o casal inicia uma viagem marítima à volta do mundo. Ao virar as páginas, enquanto AC relata tudo e todo os pormenores de tal viagem, ficamos a saber que o navio em que Christie e o marido vinham, atracou no Funchal por umas meras cinco horas. AC viajou imenso, não por causa de fazer publicidade aos seus livros, mas por puro deleite que ela tinha por desvendar novas culturas, conhecer novas pessoas, o que revelou-se muito inspirador para os seus romances. Muitos dos personagens que ganhavam vida nos seus livros, eram na verdade, inspirados em pessoas reais, que Christie ia conhecendo. Depois do seu segundo casamento, as suas viagens eram mais para acompanhar o marido, um arqueólogo, nas suas escavações.
Um ‘hobbie’ muito dispendioso que a escritora tinha era o de “possuir” casas, de procurá-las, comprá-las, vivê-las e vendê-las. Ficamos estupefactos com a vasta quantidade de casas onde ela viveu. AC chegou a uma altura em que era dona de oito casas. Mas houve uma que a marcou para sempre: Ashfield.
O retrato de AC por ela própria: «Sou muitas coisas: bem-disposta, distraída, tímida, afectuosa, completamente desprovida de autoconfiança.» Era também uma pessoa que não gostava de foco, de dar entrevistas, pois eram alturas em que sentia-se embaraçada: «Dificuldades em me exprimir, sempre as terei. Provavelmente, é uma das razões pelas quais me tornei escritora.»
A vida da que foi declarada como a melhor escritora de romances policiais do século XX, nem sempre foi um mar de rosas. Quem ler esta autobiografia tomará conhecimento disso mesmo. Houve alturas na vida de AC que o sofrimento esteve muito presente e que a própria não deixou de fora das páginas da história da sua vida: «Gosto de viver. Já estive,
por vezes, louca de desespero, terrivelmente infeliz, dilacerada pela dor, mas ao longo de tudo isso, soube sempre, com bastante certeza, que o mero facto de estar viva é algo grandioso.»; «Olhei para o que escrevi e estou satisfeita. Fiz o que queria fazer.»
Mas que viagem, esta, a da Dama do Crime. ‘Autobiografia’ é um livro fácil de se ler, prazeroso, muito útil para quem é fã dos policiais de Agatha Christie, e é uma obra onde é notória a sinceridade e humildade com que os mais diversos factos da sua vida são mencionados, sem falsas modéstias. A memória do seu passado e a idoneidade em escrevê-lo é extraordinária, para deleite dos fiéis seguidores da sua extensa obra. Como bónus e para apensar às suas palavras, o leitor é surpreendido com variadíssimas fotos da própria, em diversas fases da sua vida e de alguns seus familiares e amigos.
Uma nota final, mas fulcral para que esta crassa autobiografia tenha sido de aprazível leitura e sem quiproquós: a maravilhosa tradução.
A indicação de leitura é do nosso blog parceiro Silêncios Que Falam (Site; Facebook)
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