Houve o tempo em que quem ousasse falar mal de Brasília perto de mim estaria correndo risco de voltar pra casa sem um pedaço do fígado. Adoro Brasília. Não há lugar no mundo em que o clima seja tão bom ao longo do ano inteiro, com uma natureza tão presente e exuberante e com um horizonte que transmita tamanha sensação de liberdade.
No entanto, nada disso foi suficiente para que eu continuasse morando lá. Vinha sentindo um desconforto crescente ao longo dos últimos anos. Mudou a cidade. Eu mudei também. Tenho sentido falta de me conectar mais com as pessoas, e Brasília não propicia isso, não favorece o contato. Quem dirá conexões verdadeiras e profundas, das quais nenhum ser humano deveria prescindir. Brasília é, hoje, uma cidade de pessoas isoladas. Claro que há exceções (que confirmam a regra), mas acho que a afirmação vale para a maioria dos nascentes ou forasteiros que ali se fixaram.
Ouvi uma frase outro dia que me tocou profundamente: “Você é a média das cinco pessoas com quem mais convive”. O ambiente muda as pessoas. Talvez o mais correto seja dizer: as pessoas mudam com o ambiente e, sobretudo, com as pessoas que recheiam esse ambiente.
Se nossos sonhos e desejos não encontram reflexo nas pessoas com quem convivemos, vamos, devagarzinho, perdendo nossa essência, moldando nossa natureza à natureza do ambiente. E Brasília é curiosa nesse sentido. É impossível, por exemplo, ir a um bar na capital sem escutar duas palavrinhas: concurso público! A cidade gira em torno dos concursos. Criou-se até um novo verbete no dicionário: “Concurseiro”. O sujeito pode ter o pedigree que tiver, se estiver em Brasília, seu sucesso como indivíduo vai ser medido pelo fato de ter ou não passado num concurso. Em certo momento da vida, eu mesmo comecei a me sentir tão deslocado que cogitei essa possibilidade. Estava tentando me adaptar àquela realidade, e (quase) abrindo mão de minhas convicções. De minha turma de engenheiros, por exemplo, consigo me lembrar de 3 (incluindo a mim – eram quase 30 ao todo) que não optaram por uma carreira no serviço público.
Percebo facilmente porque tanta gente procura os concursos públicos. Neste caso, é fácil deixar-se moldar pelo ambiente. Quem não quer ter a sensação de segurança, um bom salário etc etc? Eu também quero, porém, por outro caminho. O problema é que, em nome disso, surgem alguns exageros. Circulando pela cidade, já ouvi coisas como: “- Não quero um trabalho, quero um emprego”, ou ” – O judiciário é muito melhor. Você trabalha muito menos e ganha muito mais”. A minha ‘preferida’ é: “- Meu sonho é passar num concurso público”.
Não dá para julgar os desejos de alguém sem estar usando seus sapatos. Mas escutar alguém dizendo que “sonha em passar num concurso” me causa algum desconforto. Será que não deveríamos reservar conquistas maiores para a palavra “sonho”? Não é que o sujeito tenha vocação para, digamos, planejamento financeiro, e queira uma vaga no Ministério da Fazenda. O que vale, basicamente, é a estabilidade. E se vier com um bom salário e benefícios, melhor ainda.
Que fique claro, não tenho nada contra quem busca e valoriza isso. Simplesmente não é o que eu quero. Mesmo assim, tenho a impressão que Brasília mudou tanto as pessoas que muitas delas abriram mão de seus reais desejos. Quando a gente é criança, sonha em ser jogador de futebol, ator, bailarina, cientista, escritor… sonha até em ser bombeiro ou policial… a gente sonha em ganhar o prêmio Nobel, sonha com a paz mundial, ou sonha “simplesmente” em mudar o mundo. Tudo bem, quando crescemos, temos que adaptar nossos sonhos à “realidade”, mas será que não deixamos coisas demais pelo caminho?
Esse é um dos porquês pelos quais eu me sentia cada vez mais um peixe fora d’água em Brasília. Quero inspirar e ser inspirado pela vida. Quero criar e realizar coisas novas, interessantes, que deem sentido maior à minha existência, e que possam, quem sabe, ajudar a outros. E o ambiente no planalto central não vinha me ajudado muito nessa busca.
Brasília bem que tentou, mas meus sonhos continuam aqui dentro e não estão disponíveis para troca.
E você, sabe quais são seus sonhos? O ambiente em que você vive favorece que você os atinja?
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