Ter bons olhos, por vez, é bem pouco; bom mesmo é saber enxergar. Muitos até olham, poucos realmente veem e raros são aqueles que enxergam.
Na medida em que os anos passam, a pressa da vida adulta nos distancia mais e mais da essência das coisas. Distraímo-nos com visões globais, estatísticas mundiais, previsões sociais e econômicas de universal dimensão, e até acreditamos acumular na alma conhecimento imprescindível.
Todavia, é certo que, para enxergar essências, é necessário regressar infâncias. Precisamos, na lucidez da maturidade, voltar a pensar como pensam os pequeninos e redimensionar a alma do mundo, a partir da poesia e da luz de nossos olhos infantis.
Faço esse exercício diariamente. Olho as asas de uma borboleta morta e me angustio com a brevidade da vida, lastimando a efêmera e até ilusória a liberdade dos homens. Por vezes me canso de olhar o trabalho escravo das formigas e me deixo atrair por bolhas de sabão. Dia desses, um menino me viu conversar com um beija-flor e me pediu que lhe ensinasse a língua dos pássaros: ensinei. (Já conversei com borboletas também!) Tenho aprendido que poucos sabem que libélulas contam segredos de esperança e que o amor é uma lesma a rastejar, sonolenta, sob coração das pessoas, deixando sempre o seu rastro viscoso.
Tento, após exercitar-me em infâncias, promover o equilíbrio entre a realidade que me cerca e realidade que me inunda. A realidade que me cerca é o Direito; a que inunda, a poesia. Aquele, sustentáculo social e profissão escolhida; esta, pilastra existencial que me renova a vida ao fazer-me ver as essências.
E assim, esta coluna vai do Direito à Poesia. Do concreto e social ao abstrato e subjetivo. E o nosso sonho é fazer do Direito, poesia. E fazer da Poesia um direito de todo aquele que, cansado de ter apenas bons olhos, decidir que vale a pena enxergar.
NARA RÚBIA RIBEIRO
Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra
Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
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