Por Octavio Caruso
Após três decepções, a Pixar retorna em grande estilo ao nível de brilhantismo que consagrou o estúdio, com uma produção minimalista em escala, porém, épica em sua essência psicológica. Ao focar a trama na infância da menina, o inteligente roteiro possibilita a exploração de um cenário turbulento, uma época da vida em que as emoções estão desequilibradas. O filme já teria mérito só pela coragem de abordar esse período sem romantismo poético, algo usual no gênero, evidenciando o quão brutal pode ser essa complicada transição para a adolescência.
A menina Riley (Kaitlyn Dias), de onze anos, com suas roupas coloridas, um arco-íris de sonhos projetados nos pais, percebe seu mundo desmoronar ao descobrir que aquelas figuras simbólicas de bondade e justiça haviam sido as responsáveis pela maior injustiça e maldade, o deslocamento para outro ambiente, uma nova casa, em tons de cinza, longe dos amigos e de seu amado esporte. Quando a mãe prende o cabelo, atitude que representa o resgate da diversão, o pai interrompe para atender ao telefone, a negação da pureza, o abraço no capitalismo, a ambição por ascender no emprego, o gradativo afastamento da família. O momento, comum em nossa existência, onde os pais passam a deixar a responsabilidade da criação dos filhos para a televisão, babás, o elemento externo. A menina não compreende nada disso, ela apenas sente falta, sofre em silêncio.
A mente, representada pelos agentes de cada sentimento, começa a entender que a felicidade, as esferas douradas, vão minguando. E quando a Alegria (Amy Poehler) e a Tristeza (Phyllis Smith), por um acidente, são impedidas de agir, resta a terrível apatia. As cenas agitadas, recurso imediatista necessário, mantêm os pequenos acordados, mas, por sorte, o roteiro se mostra mais interessado no atemporal, resultando em tiradas geniais, como a inserção do amigo imaginário, que aparece exatamente depois da ilha da amizade ser destruída. Aquela figura imaginativa que aparece, como desesperada tentativa de solução, quando o mundo real se torna opressivo demais.
São tantas ideias interessantes, audaciosamente complexas, considerando a faixa etária do público-alvo, que irei exemplificar, em resumo, aquelas que mais me impressionaram. Bing Bong (Richard Kind), um amálgama visual de todos os bichos que ela amava, expressa tristeza chorando balinhas. O doce, normalmente utilizado pelos pais como forma de cessar o choro de uma criança; o abstrato como atalho para o trem do pensamento; o universo dos sonhos, o terreno das aspirações, sendo representado por atores em sets de filmagem, o mundo do cinema; o triste, porém, necessário sacrifício do amigo imaginário, para que ocorra o amadurecimento, simbolizado pelo equilíbrio das emoções. Alguns dos muitos detalhes que enriquecem as camadas de interpretação em revisões.
A mensagem mais bonita, aquela que ficará na memória semanas após a sessão, fala diretamente a um dos problemas mais sérios na sociedade moderna, ocasionado pela imaturidade emocional: a incapacidade de lidar com os altos e baixos da vida. A obsessão equivocada pela imagem vencedora, uma falsa felicidade meticulosamente trabalhada para impressionar outrem nas redes sociais, mascarando a natureza humana com um verniz frágil. E essa recusa em lidar com a imprevisibilidade das ondas desse oceano acaba ocasionando o extremo oposto, a mais profunda depressão. A dor, a derrota, tem papel fundamental, uma função importante, como na cena em que a Tristeza resolve um problema apenas por ter escutado o desabafo melancólico do amigo imaginário. A Alegria, por si só, não consegue se colocar na pele de quem sofre, ela foge, vira a cara. A maturidade emocional só é alcançada quando a pessoa aprende a equilibrar esses impulsos naturais.
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.
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