Os hábitos e gostos dos consumidores condicionam sua capacidade de se converterem em cidadãos. O seu desempenho como cidadãos se constitui em relação aos referentes artísticos e comunicacionais, às informações e aos entretenimentos preferidos.
O cinema, por exemplo, sofreu mudanças, com a conversão das salas de projeção em templos, lojas de videogames ou estacionamentos e com a disseminação do vídeo, assiste-se filmes em casa. Assim, há uma nova relação entre o real e o imaginário, uma situação distinta do fenômeno fílmico entre o público e o privado, uma reorientação do cinema em relação à cultura nacional e transnacional e o surgimento de espectadores multimídia.
Há uma diversificação de gostos e cidadania com o predomínio da ação espetacular sobre outras modalidades dramáticas ou narrativas e, pela possibilidade de que subsistam cinematografias nacionais em meio a esta reorganização transnacional e multimídia da produção e dos mercados audiovisuais.
Entre muitas mudanças, a transferência da cena política para os meios eletrônicos é o processo que preserva de modo mais apolítico o que a política tem de ação. Porque é uma ação teatralizada.. Há um deslocamento semântico do que se entende por política e o herói político dos meios de comunicação de massa.
Canclini faz uma crítica à incapacidade das políticas para absorver o que está acontecendo na sociedade civil, uma vez que passados quarenta anos da apropriação da cena pública pelos meio eletrônicos de comunicação, hoje em dia, os principais formadores do imaginário coletivo, os ministérios de cultura se dedicam às belas artes, não se preocupando com a cultura popular tradicional – os meios que movem a sensibilidade das massas. São estes cenários de consumo que formam o que poderíamos chamar de bases estéticas da cidadania.
Os aparelhos ideológicos do Estado carecem de áreas institucionais dedicadas ao vídeo e a informática, e o que resta do cinema e da produção televisiva. (…) A cultura contemporânea vive esta tensão entre a modernização acelerada e as críticas à modernidade. “Os questionamentos mais radicais e lúcidos dos anos noventa à sensibilidade, ao pensamento e ao imaginário pós-industriais são hoje formulados principalmente pelos que atravessaram a experiência tumultuosa de rupturas, renovações e desenganos da segunda metade do século XX.” ( p. 249)
As sociedades civis aparecem cada vez menos como comunidades nacionais, i.e. unidades linguísticas, territoriais e políticas, para manifestarem-se como comunidades hermenêuticas de consumidores, ou seja, grupos de pessoas que compartilham gosto e pactos de leitura em relação a certos bens ( gastronômicos, desportivos, musicais), os quais lhes fornecem identidades comuns.
Não se pode todavia, generalizar as consequências sobre a cidadania desta participação crescente através do consumo. “As críticas apocalípticas ao consumismo continuam sublinhando que a organização individualista dos consumos tende a que nos desconectemos, como cidadãos, das condições comuns, da desigualdade e da solidariedade coletiva.” ( p. 262)
Canclini concorda em parte com esta visão, mas não deixa de apoiar a expansão das comunicações e do consumo por gerarem associações de consumidores e lutas sociais, ainda que em grupos marginais, melhor informados sobre as condições nacionais e internacionais.
O autor conclui com uma mensagem otimista de resgatar as tarefas propriamente culturais de sua dissolução no mercado ou na política, a partir de uma reflexão sobre o real e a distinção entre globalização e modernização seletiva, para que se possa reconstruir um multiculturalismo democrático a partir da sociedade civil e do Estado.
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