Imagem de capa: Tomsickova Tatyana, Shutterstock

Meu amor, a dor virou esquisitice. Não sei mais o que é fechar um ciclo, antes dependia de um calendário que a gente revirava as folhas no coração, da janela da alma espiávamos os dias e meses e o que foi arrastado até conseguirmos dizer adeus, agora não, por aqui fico sentindo uma estranheza porque parece que a tristeza não pode ter pouso, precisa andar por aí sem bagagem, não pode se demorar na casa de ninguém.

Tá todo mundo feliz? A esquisitice de nem sempre saber o que fazer com as horas foi somente minha, o relógio andou devagar só na minha parede?

Esquisitice por toda parte, meu amor. Aquela senhora, sua amiga, tem tido coração acelerado e tremores, dão remédios e não sara, sofre de solidão, não encontra vidas pra sua vida. A casa tá sempre cheia mas, hoje, as pessoas têm longas conversas com um aparelho que carregam nas mãos, não querem ouvir histórias da vida que ela tem saudades.

Você ia estranhar, nas passagens estreitas, a gente tem que acelerar o crescimento, feito fruta bonita e sem sabor, estão colocando agrotóxicos na dor! Meu amor, as pessoas não têm paciência para esperar as estações do plantio e se irritam com as estações do amor, o tempo das despedidas ficou curto e mal visto.

A dor virou esquisitice, adoecemos de solidão. Vó, quando alguém tá sofrendo e quer falar não tem espaço, a fala do outro é sempre mais importante e urgente que a nossa. A vida tá acelerada e a gente promete se ver mas, sabendo que, talvez, isso nunca aconteça.

Por favor, me manda luz, não deixe que eu me perca nesse jeito esquisito de tratar a dor, me fala das estações da terra, do tempo de plantar, semear e desabrochar, me presenteia com olhos para o entardecer, me dá ouvidos para os sons do mundo, me mantenha sensível andando nesses caminhos onde temos olhos para a vida que reside na vida.

Vó, me faz humana para lembrar que a dor não é esquisita, ela precisa de colo, sopa e cobertor, pede cafuné, ouvidos e abraços, implora que os relógios sejam quebrados para que a paz se entrelace aos dias que passam, assim, entenderei que o fechamento de ciclos se demora porque está ligado ao tempo do amor, dar adeus é um exercício que pede memória, coração e compreensão do quanto somos incertos nas nossas certezas.

Meu amor, que eu me debruce sobre as minhas despedidas num exercício delicado e despretensioso, feito suas mãos lidando com as flores, tecendo tapetes de retalhos ou peneirando sementes e, assim, tenha alma pra saber que algo sempre fica quando alguém vai embora, que as despedidas mudam o tamanho da nossa alma e que esquisito é um mundo onde a dor é esquisitice e as passagens não são estreitas e demoradas.

Teresa Gouvea

Psicóloga Clínica Especialista em Família pela PUC SP, especialista em Luto pelo 4 Estações Instituto de Psicologia SP.

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Teresa Gouvea
Tags: dor

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