Por Adriana Vitória
Se existe algo que conheço intimamente é o medo.
Fui uma criança muito forte, mas muito sensível. Em minha meninice sentia-me como se o mundo reverberasse dentro de mim. Tudo era muito barulhento.
Em casa, eu reagia aos sons que me incomodavam fechando as janelas do meu quarto. Em ambientes sociais como festas, eu ficava incomodada com o excesso de pessoas, os ônibus também me traziam desconforto por causa do barulho do motor.
Eu via as pessoas como seres instáveis, imaginava-as como pequenos vulcões prestes a explodir. Era muito assustador.
Eu tinha medo de tudo, inclusive de sentir medo. A morte, entretanto, eu não temia. Eu a via como um alivio, como uma oportunidade de respirar de novo.
Não era fácil ter tanta alegria de viver e ao mesmo tempo não querer estar aqui, mas eu vivia e ia aprendendo a lidar com isso, uma vez que ninguém me compreendia.
Aos oito anos, tudo ficou pior. Passei a suar frio e a deixar de comer. Fui para terapia.
Minhas preocupações eram a superpopulação do planeta e saber o que iríamos fazer com tanto lixo. Eu pensava na revolta do povo e na situação das favelas. Enfim, obviamente eu não tinha nenhum coleguinha de escola com quem pudesse partilhar minhas questões. O que eles sabiam de mim é que eu “era louca”. Assim falavam as outras crianças, pois na minha época “só louco” fazia terapia.
Eu não sabia, mas era uma criança altamente sensível.
As pessoas altamente sensíveis já receberam muitos nomes e conhecem bem a força da incompreensão de quem não vê o mundo com a mesma sensibilidade.
Elas já nascem com essas características diferentes e que não são nem boas e nem más, apenas diferentes. São boas quando bem equilibradas. Nesses casos, os sensíveis percebem o mundo e as outras pessoas com muito mais facilidade, são empáticos e solidários com os sentimentos e necessidades dos outros. Alguns são considerados até sensitivos por perceberem nuances que passam invisíveis aos olhos comuns.
Encontrei minha salvação no contato com a natureza e na terapia. Eu e minha família viajávamos todos os fins de semana e férias para as montanhas. Isso era tudo pra mim. Lá eu gastava horas e mais horas perdida no meio do mato cantando, dançando e fazendo poções magicas. O retorno era sempre dramático, mas tive que lidar com isso.
As fases difíceis me acompanharam ao longo de 27 anos, mas eu queria muito da vida e ele não pode me deter.
O medo sempre existiu, é primitivo e todo ser vivo o compartilha conosco. É saudável senti-lo desde que ele só apareça como instinto de sobrevivência: naqueles momentos em que ele nos salva.
Por causa do medo conheci pessoas incríveis, terapias maravilhosas, filósofos, educadores, culturas diversas, mas, principalmente a mim mesma.
Sai de casa cedo, vivi em vários países sem conhecer as pessoas ou a língua local. Durante anos me aventurei por lugares distantes e desenvolvi grande gosto por esse processo de transição, descobertas e constante desapego.
Cresci e aprendi. Aprendi a pedir ajuda, a lidar com meus fantasmas, a lidar com as pessoas, a perceber meus limites, a seguir e respeitar minha intuição. Penso que aprendi a viver. E, vivendo, aprendi que qualquer um pode seguir em frente. Hoje, com o medo entendido e os limites assimilados, a sensibilidade se fez dádiva.
Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem. Página oficial- Adriana Vitória
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