Pois me conta um amigo querido que um dia uma criança sua conhecida, viajando no banco de trás do carro, pergunta à madrinha que dirige cuidadosa:

— Dinda! Você sabe de onde vem o amor?

— Não sei, não, meu querido. Tô tentando descobrir. Por quê? Você por acaso sabe?

— Eu sei! O amor vem do acreditamento…

Do alto de seus quatro anos de idade, o autor da tese entrou para a história de sua família. Fosse o mundo mais atento, entraria para a Academia Brasileira de Letras. E eu fiquei pensando que o maior gênio especialista na alma humana, o filósofo mais desprendido e o poeta mais iluminado não teriam uma suspeita tão acertada. Segundo o menino, o amor vem de lá, do que ele chama de acreditamento. Esse estado intermediário entre o susto inicial e a descrença final do amor. Esse território sublime, fundado para além das bandas da desesperança e da incompreensão.

Amar vem de acreditar. É lá, no lugar seguro onde impera a confiança, que se formam as primeiras possibilidades amorosas. Lá são geradas as populações de borboletas que esvoaçam incômodas no ventre dos apaixonados, as noites memoráveis de lua e conversa, os pássaros e sons que nascem com o dia.

Lá também, nos campos verdes da esperança, as paixões incendiárias refrescam seus ímpetos para aos poucos se transformar no amor que é entendimento, respeito, apreço, afeto e essas coisas que deixam a vida mais leve.

Como a criança e seu olhar generoso sobre a vida, quem acredita no amor não tem medo dos sentimentos ruins que o envolvem e o contradizem. A escassez do nosso tempo, o desespero superficial de suas causas, a pressão raivosa dos incompreendidos, a mágoa dos abandonados, a angústia dos perseguidos, o medo dos condenados.

Para dentro das fronteiras do acreditamento, o amor cozinha seu caldo quente, eterno e sublime que derrete todos os medos. A dor, o desamparo, os pavores de todas as causas. A espera da resposta indesejada, a notícia inesperada, as verdades duras jogadas na cara, as mentiras dolorosas, as sentenças de morte, as declarações de ódio, a intolerância, o abandono, a rejeição. Tudo, tudo isso são cidadelas vizinhas à terra da esperança, a seara vigorosa do amor à qual só tem acesso quem acredita.

Porque quem segue acreditando sabe que a saudade de toda sorte e toda gente, os álbuns de fotos antigas, as velhas mágoas, as ilusões perdidas, as demoras eternas, os longos anos que nos separam e os segundos que nos unem nada são senão degraus na longa escadaria que nos eleva ao amor mais puro e simples.

Quem tem esperança não espera apenas, mas vai em busca. Peregrina até os campos mansos do acreditamento, onde brotam alegrias de todos os tipos e tamanhos, rompendo o solo com força em todos os cantos: a chegada de uma criança ao mundo, o amor cuidadoso nascendo no coração dos irmãos que ganharam um cachorro, os trabalhadores esforçados, a dignidade da vida, as grandes amizades, as paixões fecundando aqui e ali, marias-sem-vergonha explodindo suas sementes invisíveis de amor louco.

Lá, de onde vem tudo isso, se encontra todo o sonho que no mundo ainda resta. Lá se acredita no amor e em todos os seus outros nomes. Na coragem do primeiro encontro contra o medo da morte. Na liberdade contra a opressão de qualquer tipo, na compreensão contra a ignorância, na fartura contra a miséria.

Nos vales onde vivem todos os que acreditam, os caminhos são pavimentados de lembranças. Alegrias furtivas, casamentos inesquecíveis, tardes à beira de um lago de prata, risos, choros, descobertas, reencontros, grandes alívios, almoços de domingo e elas, as primeiras vezes, as tantas primeiras vezes de tudo na vida.

É de lá que vem o amor. Vê ali, naquela janela, o homem viúvo tomado de pesar? Ele vai sorrir de novo. Nota os motoristas cheios de gentilezas e cuidados no trânsito. Percebe as crianças olhando respeitosas para os velhinhos. Contempla toda essa gente servindo ao outro como escoteiros. Eles agem assim porque acreditam.

É assim que é. É de lá que vem o amor, forte, gentil, livre e generoso como a imaginação de uma criança passeando de carro. O amor vem de lá. Agora eu sei. O amor vem do acreditamento.

Eu acredito.

Fonte indicada: Revista Bula

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