Por André J. Gomes, via
É claro que você está certo. O país está prestes a eleger um presidente, nós corremos o risco de fazer o que você chama de “a escolha errada”, os ladrões estão a nos fazer de trouxas e eu aqui, falando de amor? Não, isso não pode ser. Você tem razão, eu reconheço.
Pronto, deixei meu discurso amoroso de lado, esperando. Já posso refletir sobre as coisas que você me disse. Sim, o seu candidato deve ser mesmo bem melhor do que o meu. Compreendo seus argumentos, entendo todos os seus pontos de vista e, prometo, vou pensar honestamente em aprender matemática depois de você me mostrar o óbvio: eu não sei fazer contas! Sim, também quero tomar aulas particulares de política, economia, educação, saúde pública, ecologia e essas coisas todas sobre as quais você discorreu com tanta autoridade, cuspindo certezas em minha cara perplexa. Eu sei.
Há corrupção descarada, roubalheira, favorecimentos, formação de quadrilha, tanta coisa ruim a combater e eu perdendo tempo com esse negócio de tentarmos nos aproximar uns dos outros! Você está afundado em razão. Eu mesmo já nem mais consigo enxergá-lo de tanto fundamento que o envolve.
Olha, me explica uma coisa? Você compreende tão bem os meandros da política, caminha tão firme sobre as suas certezas que eu acho que pode me ajudar. É que eu tenho uma dúvida. Duas! Na verdade tem duas perguntas me encasquetando aqui.
A primeira é a seguinte: se a pessoa em quem eu decidi votar vencer e, por isso mesmo, acontecer essa tragédia toda que você está prevendo, nós teremos direito a um último desejo? É, um pedido final, desses concedidos aos condenados à morte, sabe? Ouvir uma última vez a música favorita, pedir uma comida especial, dar um derradeiro telefonema a uma alma querida, mãe, pai, irmão, filho. Quem sabe um amor antigo a quem perdoar ou a quem pedir perdão. Será que isso ainda nos será permitido?
Não, isso não é uma ironia. Imagina! É que eu fiquei assustado com as suas previsões. Você fala muito bem. Convicto, seguro. Mas não a ponto de mudar a minha escolha. Fazer o quê, não é mesmo? Bom, mas eu ainda tenho a segunda pergunta: depois que passarem as eleições, para onde vai tanto ódio?
Porque sei lá, fiquei pensando se você e eu, em algum momento, em nossa ânsia compreensível de expulsar o que nos esmaga, quando escolhemos nos defender e nos posicionar contra aquilo que, em nossa visão parcial, nos ataca, não erramos o alvo e saímos atirando francamente em qualquer um que pense diferente de nós mesmos. Pior: ando imaginando se nós não esquecemos a metralhadora ligada.
É, você está certo. Eu não passo de um imbecil, cretino, alienado que não sabe votar. Você tem o seu candidato e eu tenho o meu. É assim que é. Mas será que podemos lidar com isso sem nos estapearmos na rua? Entendo que você acredite mesmo que questionar a minha inteligência e ofender a minha santa mãezinha nas redes sociais é o caminho para mudar a minha opinião sobre em quem devo votar. Tudo bem. É a sua escolha. Aliás, eu prefiro você, ferozmente articulado, tão certo de seus argumentos, que aqueles gênios que se limitam a escrever “mimimi”, “blá blá blá” e outras interjeições brilhantes para se mostrar acima dessas discussões mundanas. É verdade. Você tem o meu apoio. Mas não o meu voto. Esse é escolha minha mesmo.
E, se você me permite uma digressão, eu escolho falar de amor, sim. E continuo sonhando com um mundo em que cada um de nós faça mais do que escolher um candidato e até brigar pela sua candidatura. Um lugar em que cada eleitor volte para casa disposto a mudar suas próprias posturas, a fazer seu trabalho honesto, ajudar o outro e a si mesmo sem a pretensão de estabelecer sua grande e irrefutável verdade universal.
Você me desculpe a franqueza, mas eu continuo sonhando com projetos impossíveis como a instalação de um imenso espelho na órbita da Terra que nos permita enxergar a nós mesmos e nos faça dar conta do quanto nos tornamos tão ridículos cuspindo ofensas contra aqueles que se atrevem a pensar diferente.
E quando nos tornarmos mais humildes e perplexos, nossa mais alta tecnologia será usada para construir grandes loucuras, como máquinas de escrever ternuras, câmeras de reconciliação, condutores de tolerância. E as ruas serão infestadas de beijoqueiros, amorosos compulsivos, respeitadores convictos e franco-atiradores de afetos disparando carinhos por todos os lados.
Eu escolho o caminho do amor. Afinal, nesse jogo somos nada senão peças utilizadas de alguma forma. No fim da pendenga, acredite, voltaremos todos para a mesma caixa. E lá dentro, seja lá o que isso signifique, é melhor nos querermos bem. Ah, se é.
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