Em terra de gente falsa, quem tem coragem de dizer a verdade causa uma revolução. E em terra de gente corajosa, quem é falso não dura muito tempo. Até porque, manter um personagem fictício, com um sorriso congelado no rosto, exige da pessoa uma fleuma digna de Rainha da Inglaterra, não é não?
A rainha Elizabeth, essa rainha-mãe que ainda vive e detém o maior título da monarquia do Reino Unido, logo no início do seu reinado teve uma espécie de espasmo involuntário nos músculos da face, tudo porque vinha de uma maratona de visitas a inúmeras cidades da Austrália – na época em que esse país ainda não era independente.
A pobre da rainha não conseguia nem dormir por causa dos tremores na bochecha. E o médico disse a ela que o único jeito era ela parar de sorrir. Só que ela não podia parar de sorrir. Tinha que acenar e sorrir; sorrir e acenar, qual uma boneca de corda.
A moça, recém-entronada, vivia às voltas com a dura tomada de consciência acerca do pouco poder que exercia e do quanto a coroa sobre sua cabeça era, além de um enorme peso, um adorno difícil de carregar.
Embora fosse, e ainda seja, sem nenhum questionamento, “a rainha”, Elizabeth não apitava nada sobre acordos políticos, decisões econômicas, ou coisa alguma. E ainda não apita. Tudo o que diz respeito ao Reino Unido é pensado, gerido e decidido pelo Parlamento Inglês. Elizabeth é um símbolo do poder, mas não decide nada de fato. Para decidir por ela, existe a figura forte e poderosa do Primeiro Ministro.
E o que é que você que está aí lendo esse texto e eu que estou aqui escrevendo temos a ver com a rainha Elizabeth? Na prática, absolutamente nada. Em tese, vivemos o mesmo dilema: passamos uma boa parte da vida a sorrir e acenar, acenar e sorrir. E se não fizermos nada a respeito disso, vamos acabar com espasmos na bochecha. Porque sorrir mecanicamente é extremamente cansativo, além de ser vazio e pobre em significado real, com o perdão do trocadilho.
E a coroa? Pense na coroa como algo que simbolize tudo aquilo em sua vida que tenha valor verdadeiro. Caso tivéssemos mesmo que carregar nossas conquistas sobre a cabeça, certamente escolheríamos aquelas que não se pode “coisificar”. Caso contrário, certamente, acabaríamos por abdicar da coroa sob seu peso insuportável.
Sendo assim, talvez seja mais sábio e inteligente refletir sobre as inúmeras vezes em que sucumbimos à nossa gula por poder, vaidade ou adulação alheia. Talvez seja mais esperto da nossa parte, cairmos “na real” e entendermos que não há nenhum trono a nos esperar ao final do dia. Não há nenhum Primeiro Ministro para legislar em nosso nome.
Aproveitemos a nossa maravilhosa vida plebeia e paremos de infligir a nós mesmos, o roteiro de personagens ilusórios de poder. Deixemos as coroas e acenos para os nobres de nascença. E vivamos apenas pela nobreza de caráter. Essa, sim, coloca em nossas mãos a posse de nossa própria vida e nos torna senhores de nossas escolhas, de nossos encontros e de tudo aquilo que nos faz ter um orgulho danado da pessoa de verdade que estamos nos esforçando para ser.
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