Não há nenhuma facilidade para quem se atreve a questionar o que pensa; o que veste; o que fala; o que omite; o que consome; o que oferece. Refletir é, por si só, um ato de coragem. Ir vivendo e tocando a vida, deixando a correnteza fazer suas escolhas aleatórias é demasiado tentador. Sobretudo porque, o simples ato de pensar tira de nós a anestesia tão bem-vinda nesse mundo turbulento. Pensar é para quem tem coragem de cutucar com vara curta e frágil a sedutora comodidade de não se comprometer.
Compromisso é o nome que se dá ao ato de assumir a responsabilidade pelas escolhas feitas. E, é bom que tenhamos sempre em mente que, mesmo quando não escolhemos (ou, principalmente quando não escolhemos), estamos firmando uma posição. Afinal, o que pode ser mais arriscado que permitir a alguém ou a qualquer circunstância que faça escolhas em nosso nome?
Verdade seja dita, é muito mais fácil e seguro pegar emprestadas ideologias e discursos alheios; passar por sobre eles uma boa maquiagem; remodelar a formatação e sair por aí defendendo ideias prontas que parecem ter algum sentido ou vir ao encontro daquilo que nos parece familiar. Ouvir da boca do outro, palavras que parecem fazer coro com nossas necessidades, fornecem uma ilusão morna e acolhedora que nos faz relaxar por alguns instantes; que nos tira do sobressalto da urgência de tomar uma atitude, qualquer atitude.
Atitude é aquela ação mais agressiva e bem menos protegida que exige de nós que mostremos afinal a nossa cara; que coloquemos em cima da mesa apenas as cartas que temos, mesmo que sejam cartas repetidas, sem valor para virar o jogo. Atitude requer de nós a hombridade de só transformar em verbo o que formos capazes de honrar em ações. Atitude é, também, admitir que não se sabe tudo; que se tem mais perguntas que respostas; que estamos tão perplexos diante do cenário que se apresenta, que será preciso algum tempo, até que nos tornemos capazes de apresentar alguma alternativa, proposta ou sugestão. Ter atitude exige de nós algo muito mais profundo e orgânico do que simplesmente criticar.
O mundo é esse lugar aqui, não é lá fora, nem lá longe. O mundo é antes desenhado dentro de cada um de nós. Parte das nossas mais recolhidas esperanças e desejos é a sua manifestação. O mundo, é esse chão que você pisa. E que muitas vezes, nem é o chão que se projeta sob os seus pés; é o corpo, a alma e a vida de um irmão; que, de tão esquecido e invisível, misturou-se com a poeira que você carrega debaixo do seu sapato. O mundo é esse ar que nos envolve e que nos falta, na hora do medo; na hora da dor e na hora do prazer. O mundo é a minha, a sua, a nossa cara de paisagem diante das inúmeras contradições que nos assolam a cada instante. Porque se a gente for pensar, de verdade, com a crueza necessária para nos fazer sair dessa poltrona fofa e confortável que é a nossa vida, talvez o que nos reste seja ser tragado pela loucura.
O mundo é a montanha que virou buraco e a cidade que virou lama em Minas Gerais. O mundo é a incongruência de ter de admitir que sem a indústria que explora e destrói, a cidade destruída não consegue se reerguer. Porque a mesma mão que alimenta e sustenta, bate com força na cara daqueles que não têm a moeda do poder. O mundo é essa maravilhosa discrepância graças à qual ainda há milhares de nós que não se conformam, não ficam lambendo os próprios umbigos e arregaçam as mangas para agir segundo um pensamento tão inusitado quanto lógico: assumir que errar é coisa de todo dia; acertar é só para quem se arrisca e o risco só vale à pena se não for apenas uma manobra de vaidade e exposição.
É a nossa insignificante existência e pequenez diante do universo que há de nos colocar de joelhos diante da nossa imensa falta de integridade; e há de nos colocar de pé, diante da audaciosa decisão de romper o ciclo. É a nossa consciência há tanto adormecida que há de nos despertar e de nos fazer gritar, mais com paixão do que com barulho um sonoro “BASTA”! Basta de fazer de conta que não somos sustentados por um modelo ultrapassado de consumo predatório. Basta de fechar os olhos às “pequenas irregularidades” que nos favorecem porque “não é isso que vai mudar o mundo”. Basta de clamar pelo fim da impunidade e parar o carro na fila dupla, torcendo para não ser pego pelo agente de trânsito. Basta de aceitar como fatalidade as consequências de modelos administrativos historicamente corruptos. Basta de assumir a simples e patética postura de se embrulhar numa bandeira e achar que isso vai resolver alguma coisa. O mundo é como é e está como está porque nós estamos muito mal-acostumados a abrir os olhos apenas para aquilo que nos interessa, nos dá notoriedade ou afeta diretamente. O fato é que corremos o risco de uma hora dessas abrirmos os olhos e não termos mais absolutamente nada para ver.
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