Imagem de capa: KieferPix, Shutterstock
Algum lugar do mundo, 04 de janeiro de 2017.
Talvez você esteja numa daquelas fases em que não vê saída. Você se sente dentro de um buraco, com o mundo em volta espremendo-o e sufocando-o. Não bastasse isso, a noite cai. Começa a chover e trovejar. Morcegos aparecem. O frio dentro e fora da alma só aumenta. Todos parecem mais felizes que você.
Não deve ser a primeira vez que se sente assim. Você já esteve em outros buracos antes e conseguiu escapar. Mas não consegue se recordar como. Nem ao menos se lembra de como entrou neste, mas está fundo. E grita por alguém ou algo que o salve novamente, uma escada, uma corda… Implora. Crava todas suas unhas na parede e tenta subir com muito esforço, mas cai a cada tentativa. Quão frustrante isso é? Quantas chuvas ainda terá que suportar? Qual é o tamanho da sua solidão? A boa notícia é que você nunca foi salvo por nada nem ninguém. Você apenas deixou morrer aquilo que o prendia nos antigos buracos.
Mas, e quanto a curar-se ao invés de morrer? Sim, alguns aspectos de nós podem realmente serem curados, transmutados. Porém, há muitos outros, profundos, que precisam efetivamente morrer para que algo novo nasça. Deixaram de receber sangue faz tempo e gangrenaram. Não há mais recuperação. Se não forem cortados, corremos o risco de perder até mesmos nossas partes sadias. E, então, entramos nestes vales profundos da alma, em covas interiores, e lutamos muito para sair, porém, não o podemos antes de soltarmos o lado expirado de nós.
Por mais estranho que pareça, somos apegados ao nosso sofrimento. Por mais que ele nos castigue, mesmo que doloroso, ele ainda ocupa um grande espaço na nossa vida. E, se tem algo que assusta o bicho homem mais do que a dor, é o vazio.
Então, quando precisamos soltar algum destes estimados aspectos, para caminharmos em direção ao nosso verdadeiro eu, existe um luto. Por aquela dor tão profunda e que tanto nos fez companhia. Que, apesar de pesada, estava lá em nossos ombros, quando ninguém mais restara. Por isso, cada vez que cair em um buraco e sentir que sua luta pela fuga está sendo em vão, reflita se, no fundo, não está lutando contra sua própria identificação com o que lhe dói.
Há quanto tempo você carrega este aspecto em putrefação? O quanto ele já lhe fez companhia? Consegue se imaginar sem ele? O quanto você já se descreveu baseado nessa dor (e fez questão de pontuar o quanto ela era grande em você)? Sobre o que conversará? De onde conseguirá atenção? Quem é você, além disso tudo? O que fica, então?
Perceba o espaço vazio que a falta desse sentimento/hábito deixaria em sua vida. E se algo bom e belo pudesse ocupar o seu lugar? Você sente dó de trocá-lo, após tanto tempo que passaram juntos? Você chega até mesmo a pensar que não merece viver sem sua dor. Como um relacionamento abusivo consigo mesmo. Sim, é difícil terminar esse relacionamento. Não há limites para nossa carência.
É preciso morrer por dentro constantemente. De tempos em tempos, caímos em buracos. Existem muitos aspectos a serem deixados. A boa notícia é que eles aparecem apenas quando já somos capazes de lhes dizer adeus. É como trocar de pele ou perder um dente de leite. Não são tempos fáceis, eu sei. Mas vamos aprendendo a dizer “até nunca mais” cada vez mais rápido. E, assim, ficamos mais leves e flutuamos até a superfície.
Lembre-se apenas de que nunca é fora. Não importa o malabarismo que esteja fazendo, a única coisa necessária é deixar ir. Liberte-se. Deixe que sua dor morra. Arranque a erva daninha. Encare o vazio e renasça. Existe um mundo de novas possibilidades fora desse buraco. Há tantas surpresas lindas nos esperando. Porém, o novo só pode vir após o vazio. E o vazio, somente após a morte do velho. Respire e deixe ir.
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