Como fazemos todos os anos, desde quando ela chegou aqui, nos reunimos na última sexta feira para assistir ao concerto de Natal do coral que minha mãe faz parte. Sentada ao lado de meu marido, filho e sobrinho, deixei meus pensamentos voarem enquanto ouvia e observava D.Clau e seus companheiros de ensaio às quintas à noite se apresentarem e ensinarem a mim, que ainda tenho tanto a aprender, que o que a vida quer de nós é coragem; não uma coragem destemida e audaciosa, mas sim uma coragem sensível e gentil, amparada na busca das alegrias miúdas nem sempre férteis ou fáceis de encontrar, e na capacidade de resistir e sorrir, ainda que a história do momento não seja a que queríamos contar.
Cantando, dançando e gesticulando muito, minha mãe afugentava as dores e fantasmas de seus dias e aquecia meu coração de filha ao criar memórias de felicidade e um tipo de paz que a gente só sente quando aceita as novas realidades, os novos caminhos, os novos rumos que nossas vidas e daqueles que amamos tomou.
Ao seu lado, algumas amigas queridas encerravam o ano cantando, mesmo que o silêncio de seus corações contasse histórias dolorosas. Eu sabia de alguns fatos e por isso me surpreendia com recolhida alegria e grandiosa admiração. Uma delas, em especial, me ensinava uma lição importante, algo que carregarei comigo para sempre.
Em seu íntimo, ela travava uma batalha importante. Por trás do sorriso e da música, havia momentos de dor, despedida, aceitação, conformação. Por trás da união com os parceiros de palco, havia a história de uma vida marcada por ausências e encontros. Em sua comovida vibração, ela me ensinava que a gente tem que continuar. Em seu delicado entusiasmo, ela me ajudava a compreender que, mesmo que tenhamos nossas promessas descumpridas, é preciso perdoar a vida e se sentir perdoado por ela.
É importante que eu acredite que de vez em quando a gente perde, mas em algum outro momento a gente irá ganhar novamente, e tudo isso se intercala indefinidamente, por toda a vida. É importante que eu tenha fé que os momentos de ganhos superarão os de perdas, e que quando eu sentir meu coração aquecido de felicidade, irei redimir as noites frias de tristeza e solidão que tive que atravessar. É importante que eu aprenda a perdoar as perdas que tive, para que possa abrir espaços para reconhecer as bênçãos que terei.
Abençoados os que perdoam a imperfeição da vida. Os que não vivem ressentidos, nem blindados, nem desistem da alegria só porque ela tirou alguns dias de férias. Abençoados os que se sentem perdoados. Os que se sentem amparados por Deus mesmo que a história que vivem não esteja sendo contada da forma que desejavam.
A forma como decidimos encarar as perdas determinará nossa qualidade de vida. Podemos decidir que “perdemos”, ou podemos determinar que “aprendemos”. Cabe a cada um de nós dar sentido ao que foi desconstruído, quebrado ou rompido e autorizar que o riso substitua o pranto, que as lágrimas deem lugar a um entendimento novo acerca de nós mesmos e da forma como queremos usufruir a vida daqui pra frente.
O tempo molda as pessoas de formas diferentes, e me esforço para ser o tipo de pessoa que ainda consegue dançar quando a música toca bem baixinho, quase imperceptível. O tipo de pessoa que decide cantar mesmo quando a voz não alcança a nota. O tipo de gente que resolve ter pensamentos doces e gestos leves mesmo quando tudo é rigidez e gravidade.
Minha alma tem pressa de aprender reagir com delicadeza às perdas e falhas. Pressa de aprender a suportar as circunstâncias ruins com gentileza e cuidado comigo mesma. Pressa de querer habitar-me com otimismo, fé e aceitação. Pressa de aprender a perdoar a vida e, acima de tudo, me sentir perdoada por ela…