Por Rosely Sayão
Há pouco tempo, recebi uma mensagem que me provocou uma boa reflexão. O interessante é que não foi o conteúdo dela que fisgou minha atenção, e sim sua primeira linha, em que os remetentes se identificavam. Para ser bem clara, vou reproduzi-la: “Somos dois adolescentes, com 21 e 23 anos…”
Minha primeira reação foi sorrir: agora, os jovens acreditam que a adolescência se estende até, pelo menos, os 23 anos?! Mas, em seguida, eu me dei conta do mais importante dessa história: a criança pode ser criança quando é tratada como tal, e o mesmo acontece com o adolescente. E, se dois jovens adultos se vêem como adolescentes, é porque, de alguma maneira, contribuímos para tanto.
A adolescência tinha época certa para começar até um tempo atrás, ou seja, com a puberdade, época das grandes mudanças físicas. E terminar também: era quando o adolescente, finalmente, assumia total responsabilidade sobre sua vida e tornava-se adulto. Agora, as crianças já começam a se comportar e a se sentir como adolescentes muito tempo antes de a puberdade se manifestar e, pelo jeito, continuam se comportando e vivendo assim por muito mais tempo. Qual a parcela de responsabilidade dos adultos e educadores?
Pais e professores, quando educam, visam à conquista da autonomia e não podem perder de vista esse objetivo. Assim, ensinar uma criança pequena a se calçar sozinha, por exemplo, é apenas uma parte do processo educativo que supõe que, assim que possível, ela caminhe com seus próprios passos. É claro que isso não acontece de uma hora para outra, mas em etapas. Mas há de chegar o dia em que ela vai escolher os sapatos que vai calçar, quem sabe comprá-los com dinheiro fruto de seu trabalho, vai usá-los para andar por onde quiser e vai ter de se responsabilizar por suas escolhas. Isso é ser adulto.
Qual a diferença em relação ao adolescente? Justamente essa: o adolescente ainda está a caminho de ter autonomia sobre sua vida. Os pais, mesmo que à distância e discretamente, ainda tutelam os passos do filho adolescente -e não sem razão. É que, para os adolescentes, ainda é prioritário e natural pensar primeiro no tempo presente, no prazer, na diversão e só depois- às vezes, tarde demais- nas consequências que suas atitudes e comportamentos podem provocar.
É difícil tornar-se responsável por tudo? Sem dúvida é, e os adultos sabem muito bem disso. Mas há ganhos, pelo menos em relação à vida dos adolescentes: o da liberdade possível e o da independência, por exemplo. E, certamente, um adulto que se considera adolescente aos 23 anos não deve sentir-se responsável por sua vida. O que ele talvez não saiba é que isso o impede de ser independente.
Hoje, por conta de diversos fatores, muitos pais agem de modo confuso, mas sempre em nome da educação para a autonomia. Garotas e garotos de 12 a 15 anos são liberados para frequentar festas noturnas quase sem limites de horário e sem adultos por perto, mas, em compensação, não têm autonomia para administrar sozinhos a vida escolar, porque os pais esperam determinados resultados e, para tanto, precisam verificar se o filho cumpre o que desejam. Professores universitários tratam seus alunos como adolescentes incapazes de discernir direitos de deveres e, depois, reclamam da falta de interesse deles pelo conhecimento.
Exemplos desses não faltam numa sociedade que trata seus cidadãos de modo infantilizado e os faz acreditar -e muitos acreditam- que isso é feito pelo bem-estar deles. Por isso é bom que os pais e educadores pensem com carinho na educação que praticam. Para que crianças e adolescentes atinjam a vida adulta, é preciso que sejam tratados de modo coerente e sejam responsabilizados, pouco a pouco, por aquilo com que são capazes de arcar. Afinal, a adolescência tem de terminar.
Rosely Sayão (psicóloga e consultora em Educação), in Folha de São Paulo
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