Ao que parece, ela despertou, algum alarme ecoou dentro de sua alma, junto com um recado: “tá tudo errado, você vai precisar se desfazer de muita coisa que carregou até agora”. Ela se deu conta de que é tempo de reconstrução. A cada dia, ela amanhece com uma nova percepção acerca do mundo à sua volta e sobre si mesma. Tantas “verdades” que lhe empurraram goela abaixo, sem que ela tivesse ao menos a oportunidade de questioná-las. Ensinamentos que nunca a interessaram, regras alheias, receitas prontas vindas de pessoas que sequer tinham afeto por aquela mulher.
Ela tem consciência de que essa desconstrução não será um processo tão simples assim. Ela tem noção da complexidade envolvida em se tratando de ressignificar a própria visão de mundo. Mas ela está decidida, e, inclusive, já sabe por onde começar. Ela priorizou o campo afetivo, a forma como ela percebia o amor e os relacionamentos. Nesse quesito, ela se deu conta de que vai ter que derrubar toda a construção anterior, visto que não vai ter como aproveitar praticamente nada.
Sem ressentimento e com muita disposição para se perdoar pelos tropeços, ela se deu conta de que, em se tratando de relacionamentos, colocou em prática as receitas dos outros, e sempre ignorou a bússola da própria alma. Tanto conselho torpe que ela levou a sério, vocês não fazem noção. Ela tem consciência de que, por trás das fórmulas de amor que lhe ensinaram, havia, sim, pessoas bem intencionadas, mas isso não ameniza em nada o estrago feito em sua vida. Estrago é maneira de dizer, ela poderia dizer, desacertos, perda de tempo ou desperdício de vida.
Ensinaram a ela que, num relacionamento, a mulher não precisa gostar tanto do parceiro. Ancorando-se nessa premissa, ela foi capaz de se casar sem sentir amor pelo parceiro. Casou-se porque o rapaz era bom moço, e, aparentemente, bem intencionado. Nossa, olha como isso é grave, compartilhar a vida com alguém sem sentir admiração, sem frio na barriga, sem borboletas no estômago, sem aquela ânsia de que ele chegasse logo em casa, sem cumplicidade, sem reciprocidade…sem nada. Mas, ela caiu em si e saiu dessa arapuca, ela não deu conta de prosseguir, palmas para ela.
Outra coisa que ela recebeu, fruto do seu contexto religioso, é que a mulher é sempre a responsável pelo relacionamento, ou seja, ela tem o poder de, praticamente, fazer milagres. Isso inclui: fazer um homem abandonar os vícios, transformar um homem violento num gentleman, fazer um homem preguiçoso e desorganizado financeiramente dar uma guinada na vida, e, por aí vai. E, caso, ela não conseguisse fazer tais milagres, a culpa seria dela. Sim, ela seria a culpada por não ser suficientemente sábia e submissa. Seria culpada por não orar o suficiente pela transformação daquele homem e por não dar um bom testemunho dentro do próprio lar.
Abandonar essa bagagem foi conflituosa demais para ela. Havia, nesse contexto, muita coisa envolvida, coisa sagrada, sua própria fé. Desse conflito todo, a fé permaneceu, mas ela dialoga com Deus e deixa claro que não quer o fardo e a responsabilidade de transformar ninguém. Se é falta de sabedoria conforme sua religião prega, tudo bem, ela aceita ser chamada de tola. Sobre mudar alguém, ela já desistiu dessa ideia faz tempo, agora ela está empenhada nas próprias mudanças, nessas, sim, ela enxerga possibilidades de êxito.
Aquela mulher se deu conta das incontáveis oportunidades que ela perdeu de ser ela mesma. Ela já disse tantos “sins” querendo dizer “não”. E, já disse tantos “nãos” com os olhos famintos querendo dizer “sim”. Ela se deu conta de que não é possível ser feliz e viver com autenticidade baseando-se nas verdades alheias. Logo ela que tem uma alma pulsante, que ás vezes, parece não caber dentro de si. Tudo o que ela deseja daqui para frente é viver aquilo que acredita, sem medo e sem receios de julgamentos. Ela não está nem um pouco interessada nas receitas dos outros, ela prefere elaborar as delas, com os ingredientes que bem lhe interessar. Ela entendeu que a vida é curta demais para esconder de si mesma. É isso, ela decidiu assumir as rédeas da própria vida.
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