Por Octavio Caruso
O protagonista vivido por Joaquin Phoenix no excelente “Ela”, de Spike Jonze, trabalha inserindo emoções no subconsciente de estranhos, criando cartas escritas à mão para seus clientes. O futuro se mostra através de aparatos tecnológicos requintados, mas a realidade dos homens é exatamente a que vivemos hoje: pessoas que se cruzam nas ruas e não se encaram; corpos carentes de calor humano mesmo quando próximos. A terrível solidão que se experimenta em grupo.
Samantha (Scarlett Johansson), a voz feminina do sistema operacional, uma ideia que gradualmente se revela através da percepção de Theodore (Phoenix), personificando o elemento que carecia na vida dele: algo/alguém que se importa. Só que ela não é real, mas apenas o resultado de uma dedicada pesquisa no banco de dados dele. Ela suspira, não por necessitar de oxigênio, mas por calculisticamente perceber o efeito no processo identificatório (Freud considerava “a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa”) que esse simples som causa no ser humano. E, tão interessante quanto, temos a personagem vivida por Amy Adams, única mulher com quem ele se relaciona sem demonstrar insegurança. Ela defende uma das melhores frases, o leitmotiv da obra: “Apaixonar-se é uma loucura. É como uma forma de insanidade socialmente aceitável”.
Num toque de gênio, o roteiro encaminha o protagonista a uma situação crucial, onde tendo a opção de, com a permissão de sua “parceira”, experimentar o sexo fisicamente com uma substituta, ele a considera algo menos real, incapaz de emular com ela os sentimentos que compartilha diariamente com Samantha. Ciúme, insegurança, medo. Autênticas emoções que nascem do convívio, nos longos momentos de cumplicidade serena após a usual satisfação sexual dos primeiros meses de uma relação. Ao lembrar-se de sua esposa, vivida por Rooney Mara (ele se recusa a formalizar o divórcio, mesmo sabendo que não há mais possibilidade de retorno), ele percebe que está apenas ativando uma versão dela em sua memória afetiva, algo facilmente manipulável. A nostalgia embeleza tudo o que toca. O que é, afinal, real? Como quando sentimos pena na poética “morte” de HAL 9000 no clássico de Stanley Kubrick, acabamos nos surpreendendo com o nível de afeto que desenvolvemos ao longo da trama pelo casal.
O filme aborda uma realidade que enxergamos hoje. Um espetáculo acontecendo no palco, grande parte da plateia olha a tela de seus smartphones, posicionados para captarem o melhor ângulo. O registro está se tornando mais importante que a experiência real. A emoção está em aguardar os comentários elogiosos dos amigos nas postagens das fotos do evento nas redes sociais. Estão equivocados aqueles que pensam que o ato de manter um diário saiu de moda, ele apenas se tornou público.
Você assiste um filme em casa, sendo interrompido a cada minuto pelo barulhinho irritante do alarme de mensagem nova no WhatsApp daqueles que estiverem acompanhando você na sessão. O mesmo barulho irritante que interrompe praticamente tudo hoje em dia. A pessoa larga o que estiver fazendo e checa a telinha. E, para piorar, nunca é por uma boa causa. São sempre tolices, fotos engraçadinhas, questionamentos estapafúrdios, fofocas, em suma, uma longa variação da velha conversa desajeitada no elevador, sobre questões climáticas e a necessidade de se tomar uma cerveja. Quando mais jovem, costumava adorar visitar a casa do meu avô na região serrana, afastado de tudo, minha fortaleza de solidão, onde o silêncio zumbia os ouvidos. Passava semanas em um ambiente onde a imaginação era incentivada a despertar, uma época onde precisávamos apenas tirar o fone do gancho para conseguirmos paz. Sinto-me sortudo por ter vivido aquela época, triste com a realidade da garotada de hoje, incapaz de olhar nos olhos de alguém por trinta segundos.
Eu sou visto como chato por entrar pouco no Facebook, não ter smartphone e me recusar a usar WhatsApp. Tenho o hábito diário de assistir, ao menos, um filme e, ao longo do dia, avançar a leitura dos livros, algo em torno de cinco, ao mesmo tempo, já que não tenho o mesmo tempo livre de quando era adolescente. Ainda precisa sobrar tempo para a escrita, fundamental em meu trabalho. É uma questão de prioridades. Afirmo que não há a mais remota possibilidade de eu interromper uma sessão de um filme, uma boa conversa ou a leitura de um livro. São experiências de completa imersão, prazeres que saboreio com toda intensidade. Quando estou em um show, vivo aquele momento único. Quer me deixar irritado? Interrompa um bate-papo alegre numa festa, fazendo todos olharem pra uma câmera. O papo nunca volta exatamente para onde estava, pois o clima se perdeu, o assunto muda. Quer registrar o momento? Tome distância e tire a foto de todos conversando, registre a beleza de amigos que aproveitam melhor que você aquela linda oportunidade de interação. E, perdoe a sinceridade, caso você seja aquele pobre coitado que tira duzentas selfies em uma festa, saiba que você simplesmente só se importa com a ilusória imagem que precisa passar para outrem. O registro mental/emocional é muito mais importante que o físico.
Sei que é um desejo utópico, a tendência é essa realidade triste piorar, mas, caso meu conselho sirva a alguém: desligue o smartphone e preste atenção ao mundo real que te rodeia.
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.
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