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Elogio da paixão

Por Marcela Picanço

Sei que, pelo menos uma vez na vida, alguém já disse que não queria me ver nunca mais. Alguns até resistiram aos meus caprichos e se fecharam, outros não conseguiram ficar nem uma semana sem mim.

Acho engraçado pensar que as pessoas têm medo de mim. Sempre afirmam que eu não sirvo para nada além de fazer sofrer, perder a cabeça, levar à loucura. Mas, convenhamos: essa é a minha função. Durante a paixão ardente, eu sei que cada um de vocês sente a minha plenitude. Eu gosto de ver isso nas pessoas, quando estou com elas. Gosto de vê-las secando de desejo, sentindo fome, sede, uma vontade absurda e inexplicável por dentro. Quando estou aí dentro, é a melhor sensação que vocês já sentiram. Podem admitir.

O problema vem depois. Muitos odeiam quando eu vou embora rapidamente, outros se questionam quando eu chego sem avisar, outros piram quando eu apareço queimando por dentro. A verdade é que ninguém vive sem mim. Pode tentar fugir, mas um dia eu vou encontrá-lo e você vai se render. Pode ser criança, jovem, adulto ou velho. Não me importo com idade, sexo, religião, cultura ou etnia. Não tenho preconceito nenhum e sempre arranjo um jeito de me fixar em seu peito. Apertando, apertando, apertando cada vez mais. Uma dor boa. Um frio na barriga, um sorriso no rosto, uma cabeça no mundo da lua.

Um vírus. É exatamente isso que eu sou. Um vírus, uma doença. Já reparou que, quando as pessoas estão apaixonadas, elas têm os mesmo sintomas? Vem, incomoda, aflora e passa. A diferença entre o que sou e uma doença é que a doença é um incômodo ruim, eu sou um incômodo bom. Às vezes, nem sou um incômodo. Isso depende de cara, organismo, ou melhor, de cada tipo de alma ou de cabeça.

Alguns são fracos e eu parto-os ao meio. Outros são fortes e me curtem até o ultimo momento. Também como um vírus, eu venho em diferentes intensidades, já que um mesmo vírus não entra duas vezes no mesmo corpo. É como se existissem vários eus e, por isso, uma paixão nunca é igual à outra.

Não precisa ter medo de mim. Fugir da paixão, fugir do amante. Eu não vou machucá-lo tanto. Eu passo e vou embora, prometo. Quanto mais você me evitar, mais desastrosos serão os sintomas quando eu encontrá-lo. Eu posso deixar sequelas, mas, se você aprender a lidar comigo, elas serão cada vez menores, juro.

Eu posso demorar um pouco para sair de você, mas isso também depende de cada organismo. Alguns sentem falta de mim, choram para me ter logo por perto e outros choram para que eu me afaste. Geralmente, auqeles que me desejam são os que já passaram por muitas coisas e precisam de mim para aliviar o estresse do dia a dia, afinal, eles sabem que uma hora eu vou embora. Já os outros, que têm medo de me encontrar, acham que eu vou ficar cravada no coração por um bom tempo, impedindo-os de viver. Isso só acontece se você me permitir, mas é uma opção perigosa, que não costuma ser eterna, porque eu vou embora algum dia. Talvez quem fique depois seja o meu companheiro, o amor. Muitas pessoas nos confundem, mas confesso que somos bem diferentes. Tem vezes em que eu o apresento, outras vezes ele me apresenta às pessoas e isso acaba causando um mal entendido. Às vezes, andamos lado a lado, mas não somos o mesmo.

Sei que já magoei muitos, mas não foi por mal. Todo mundo passa por isso de se apaixonar e uma das minhas características é fazer sofrer, angustiar. Mas o sofrer de paixão faz bem para a alma, é a certeza que vocês têm de que estão vivos e têm a capacidade de amar – tem coisa mais incrível que isso?

Vejo alguns de vocês com uns lemas esquisitos de não se apegar a ninguém, de ser uma pessoa fria, arrasadora de corações. Qual é o problema de vocês? Não adianta fugir e achar que podem me controlar, porque não o vão. Se vocês se adaptarem ao meu estilo de vida, vai ser muito mais fácil. Desapaixonar-se também é uma arte, tão intensa quanto se apaixonar. Como tudo na vida, você aprende a lidar com a situação. Concordo que dá um pouco de trabalho, mas, quando você realmente não me quiser mais ao seu lado, eu vou embora. Não insisto em algo que não é mais tão proveitoso. E você deveria fazer o mesmo. Quanto mais rápido eu vier, mais rápido eu vou embora, e a minha saída você pode controlar algumas vezes. Só algumas.

Ando junto com a loucura, com a ausência de pensamento, com o impulso. Faço cegar, ficar à flor da pele, sensibilizo. Não gosto do bom senso. Gosto de ver vocês perdendo a cabeça. O mais legal é ver tudo isso acontecer e vocês ainda manterem o sorriso pregado no rosto, como se fossem todos bobos. Sei que todos vocês falam mal de mim, mas, no fundo, sabem que o meu amigo mais próximo é a felicidade e, esta sim, anda sempre comigo.

Não adianta negar. Quando estou com vocês, sentem-se completos. Correspondidos ou não, eu tapo um buraco, eu cubro o vazio, eu ilumino o dia. Eu costumo dizer que movo montanhas, faço as pessoas fazerem coisas, sem pensar, duas vezes. Essa é a maior sensação de liberdade que existe: falar e fazer o que quiser na hora em que quiser, sem pensar. É um alívio tão grande dentro de vocês, uma paz interna. Sou uma das únicas coisas que causa esse sentimento nas pessoas e, isso sim, é uma vida agradável. Vocês, porém, estão sempre em busca da felicidade, ou seja, sempre em busca de mim, porque sou eu quem pode lhes proporcionar isso.

Eu vou ser sempre uma coisa indecifrável, meio louca, diferente de todos os outros estados de espírito, mas é por isso que sou sempre tão temida e desejada, uma coisa fora do comum, porque sou o elemento que está mais perto da magia que vocês tanto procuram por aí. É mágica. Aparece e, de repente, some sem explicação. Sou, assim, uma magia.

Um erro grave que vocês cometem falando de mim é dizer que eu só vivo entre os humanos. Vocês podem me encontrar em todos os lugares. Estou entre os animais, as plantas, os elementos da natureza, os objetos, os objetivos de vida, os sonhos. Posso fazer vocês se apaixonarem por qualquer coisa que passe alegria.

Vocês vão sempre estar cheios de vida enquanto eu estiver por perto e estarei sempre voltando para vocês. Sou um parasita, preciso de vocês e do mundo para sobreviver e aplicar minhas funções. Mas sou um parasita do bem, afinal, já disse todos os benefícios que eu causo. Trago o amor, o sentido da vida. Esse, sim, é o sentimento mais puro, que não pede nada em troca. Mas ele precisa de mim pra existir, para se propagar por aí. Deu para entender agora a minha importância?

Cena do filme “O Diário de uma Paixão”
Marcela Picanço

Atriz, roteirista, formada em comunicação social e autora do Blog De Repente dá Certo. Pira em artes e tecnologia e acredita que as histórias são as coisas mais valiosas que temos.

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Marcela Picanço

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