Por Octavio Caruso
O espírita absorve o que ocorre no filme como uma metáfora sobre reencarnação, mas esse elemento, além de simplificar demais a sensibilidade do tema, não existe na obra original: “Bid Time Return” (1975), de Richard Matheson, diferente de outra obra do escritor, “Amor Além da Vida”, que é essencialmente espiritualista em sua noção de céu e inferno, mesmo que sendo utilizados metaforicamente, posto que o espiritismo, como doutrina, mesmo existindo de forma modesta em outros países, foi abraçado com maior respeito pelo Brasil. Matheson inspirou-se no livro “Man and Time”, de J.B. Priestley, que abordava uma viagem no tempo realizada por meio da auto-hipnose, para contar uma fantasia envolta em romance.
O escritor que já tinha um histórico de contos de terror e ficção científica intencionou desafiar-se com uma abordagem diferente, mais lúdica, da desgastada fórmula da viagem no tempo. Seu protagonista no livro descobre-se com um tumor inoperável no cérebro, o que o leva a impulsivamente hospedar-se em um refinado hotel, onde encontra o retrato de uma bela e jovem atriz. Disposto a voltar no tempo e encontrá-la, ele incorre à auto-hipnose, fazendo sua mente acreditar que sua matéria se transferiu para aquele ponto no espaço-tempo. Ao final, fica implícito que aquela aventura romântica foi apenas o delírio de um moribundo. Já ao escrever o roteiro para a adaptação cinematográfica, cinco anos depois, o escritor decidiu modificar bastante o percurso do protagonista, suavizando ainda mais o conceito romântico, pois não haveria mais o tumor no cérebro, mas, sim, uma morte causada pela intensa frustração amorosa, por não poder mais estar próximo da mulher que ama. Incluiu também a cena inicial, onde vemos uma senhora idosa se aproximar do jovem e clamar enigmaticamente que ele a reencontrasse, aspecto que torna compreensível o tom espiritualista que a obra então recebeu entre os cinéfilos brasileiros. Um filme que pode ser tido como objetivamente espírita é o fraco “A Reencarnação de Peter Proud” (1975), que, inclusive, é similar ao trabalho de Matheson, mesmo que não trate o tema como algo possível, mas, sim, como um bom material para que o diretor J. Lee Thompson exercitasse o suspense e terror, na fase em que vários produtores buscavam pegar carona no sucesso de “O Exorcista” (1973).
A atriz Jane Seymour admirava tanto seu colega Christopher Reeve, que colocou o nome dele em seu filho. Os dois continuaram amigos até o falecimento dele. O diretor Jeannot Szwarc não obteve nenhum outro sucesso em sua carreira, chegou a atrair a atenção popular novamente com o fracasso de “Supergirl”, em 1984. No belo “Em Algum Lugar do Passado” (Somewhere in Time – 1980), sua direção melíflua combina perfeitamente com o tom do roteiro, podendo soar sacarina demais para alguns, mas coerente com a proposta. A trilha sonora de John Barry é uma das mais belas compostas por ele, com inserções marcantes da décima oitava variação de “Rapsódia Sobre um Tema de Paganini”, de Rachmaninoff. Um detalhe interessante é que, na emocionante cena próxima ao final, onde Reeve passa seus últimos momentos no passado com Seymour, o ator havia acabado de saber que seria pai pela primeira vez, tornando muito difícil para que ele se concentrasse no personagem.
Retirando os elementos fantásticos, a razão do encantamento perene que provoca nos cinéfilos do mundo todo, a profunda identificação que todos nós sentimos com o conflito do protagonista. Quem não gostaria de poder rever um ente querido ou um amor que não existe mais? Passar alguns minutos na presença de alguém que vive apenas na memória, poder falar coisas que não foram ditas, reviver momentos felizes por alguns segundos. Não existe cena mais bela que aquela onde Reeve percebe estar fora de seu tempo, vivendo uma ilusão, sendo brutalmente transportado para sua realidade. A sua reação ao descobrir-se sozinho novamente, após tantos momentos agradáveis com a mulher que amava, sabendo que não a veria novamente, contorcendo-se de desespero em sua cama. Resignado em sua profunda dor, ele aguarda seu fim. Na presença da morte ele volta a sorrir, sua mente refaz o longo caminho até ela, que o aguarda como se nunca houvesse partido. No exato segundo em que ocorre o aguardado enlaçar de suas mãos com as da mulher que ama, simbolizando o reencontro entre a matéria e o sonho, o filme termina.
OCTAVIO CARUSO
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.