Por Octavio Caruso
Quando você olha para as paredes que circundam seu corpo e não se sente parte daquele ambiente, contrastando cada som estranho que atravessa pela janela fechada com a natural reação física de desconforto. Como se cada segundo demorasse o triplo do tempo, temendo o pôr do sol por saber que ele levará consigo a movimentação dos carros nas ruas. A sensação angustiante de estar preso em uma situação totalmente desconhecida, sendo apresentado a rituais novos, por vezes exóticos, que você sempre evitou por puro comodismo. Nesse estado de espírito é que encontramos os protagonistas de “Encontros e Desencontros” (Lost in Translation – 2003), desconhecendo completamente o histórico de suas vidas, mas imediatamente reféns dessa resiliência cativante que os faz sorrir com dificuldade, quando nada em seus dias justifica tal gesto.
A jovem Charlotte (Scarlett Johansson), que acompanha o marido fotógrafo em sua viagem de trabalho ao Japão, uma belíssima incógnita que busca encontrar na solidão do quarto de hotel, aquela motivação que outrora parecia tão instigante, um amor que provavelmente nunca havia sido colocado à prova. No mesmo hotel, o veterano ator Bob (Bill Murray), tendo deixado para trás a glória de seu sucesso, reagindo com desgosto à simples constatação de sua contraparte jovem na televisão, buscando esquecer que vive um relacionamento desgastado, que se resume à realização de tarefas como a escolha da cor de um carpete. Um artista vive de sensibilidade e desafios, mas ele está num lugar estranho, onde não consegue se expressar livremente e ninguém entende o que ele diz. Estrelando um genérico comercial de whisky, sendo excessivamente mimado por interesseiros que não fazem ideia de quem ele seja e recebendo ordens de um diretor que busca nele a atitude de outros artistas, o homem só consegue alguma paz embriagando-se nas noites em claro no bar do hotel.
O título original (“Perdido na Tradução”) representa o encontro de duas almas que perderam qualquer contato com os relacionamentos que os mantinha estáveis emocionalmente. O leitmotiv visual que acompanha Charlotte, sempre assistindo o mundo transcorrer pelas janelas, totalmente desconectada daquela realidade. O fotógrafo que ignora a esposa que pouco conhece e dá preferência aos flertes com uma amiga; a dona de casa que se entregou demais à rotina dos filhos e ao próprio trabalho. A diretora Sofia Coppola traduz essa angústia imageticamente com perfeição na cena da gravação do comercial. Vemos o diretor japonês completamente insensível à figura sentada perante os holofotes, um objeto ultrapassado que representa apenas cifrões em sua conta bancária. A tradutora desinteressada em detalhar as instruções dele para Bob, que compartilha a ignorância do que está se passando com o público, já que não existem legendas para o que está sendo conversado.
O desencantamento dos personagens com o rumo de suas vidas é trabalhado nos pequenos gestos, no subtexto de diálogos que são supérfluos. Como na bela cena em que Bob deixa transparecer sua emoção na interpretação descompromissada de uma canção (“More than This”) no videokê. Interessante perceber que ambos estão vestindo “máscaras”: uma peruca rosa e uma camiseta extravagante. Em apenas quinze segundos, Bill Murray vira um adolescente e deixa atravessar em seu rosto o amor juvenil que sente nascer pela bela garota com quem flerta, o desconforto por saber que estão ambos comprometidos, a saudade que sente de sua casa e a tristeza, que enfraquece sua voz, por ter a plena consciência de que nada daquilo é real ou duradouro. Mas a questão que o filme propõe ao final é: precisa ser? A amizade que dois estranhos compartilham em alguns dias pode ser mais poderosa e sincera que um casamento de vários anos.
Você pode assistir dez comédias românticas americanas, que tenho certeza que não irá encontrar momento mais terno e verdadeiro que o simples toque dos dedos de Bob nos pés de Charlotte, quando estão dividindo a mesma cama, após uma balada noturna. Não há necessidade de trilha sonora manipuladora, pois investimos genuíno carinho naqueles dois personagens. A insegurança demonstrada na posição fetal da jovem e o tédio que ele expressa no desleixo com que preenche seu lado da cama. Lentamente percebemos a mão dele vencendo o medo da entrega do sentimento, a insegurança pela diferença de idades, procurando o toque que simboliza naquele momento muito mais que um beijo. E quando ele é finalmente expressado numa cena posterior, explode como a redenção de dois “caroneiros” na estrada da vida, que finalmente descobriram que não estão sozinhos, que alguém se importa. Eles precisaram viajar para o outro lado do mundo, para encontrarem na intensa solidão um eco em resposta aos seus gritos por socorro.
OCTAVIO CARUSO
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.