Quem me viu montada num monociclo, a roda girando em torno de um círculo, a cara pintada de extravagância, o corpo trajado de excêntrico, a garganta cantando absurdos, pensou que demandava atenção. Mas não. Não sou espetáculo ou atração. Não via o caminho e pensei, não pensei, dei voltas procurando a saída, não vi o desvio, desviei por natureza, instinto. Minha esperteza é cega, só sabe sentir. Minha esperteza é cética, não acredita em si. Eu vejo demais e nego, quero alguém para me desmentir. Eu não quero ter razão.
Quem me viu tecendo trechos de vida em textos, embaralhando palavras, violando discursos, pensou que eu queria ser entendida. Mas não. Não sou teoria ou abstração. Não tenho explicação, não me explico, não me justifico. Não há para quem ou para quê, não me limito, não há motivo para que se especializem em mim. Nem matéria de estudo nem filosofia. Não. Sou carne, bicho, falo, palavro, como um pássaro canta, um cachorro late, um sapo coaxa, como um leão ruge, uma pedra se cala.
Quem me viu trocando os passos, tropeçando em meios fios, rasgando os sapatos, furando os bolsos, fazendo e desfazendo as malas, pensou que eu estava entorpecida. Mas não. Eu estive doente de sobriedade. Enferma de coerência. Certezas coléricas. Confiante em placas e mapas escusos, em informações obscuras, em orientações cínicas, como todos os mapas e placas são escuros, informações obtusas e orientações clínicas. Precisei rachar a testa no espelho para ver meu reflexo vermelho nos destroços, como só os destroços vermelhos poderiam mostrar meu reflexo.
Quem me viu através do espelho, não me viu, diante do espelho, por trás de cataratas de estereótipo pensou que eu estava amarga. Mas não. Eu sou ácida, como sempre fui e nunca, porque sempre estive, nunca fui doce. Não vivo de opostos, não estou do outro lado e nem aí. Nem me contento com as fantasias assaltando vitrines de desejos nem com as minhas, eu quero fato, quero existir. Eu não sou sobrevivente. É absurdo! Eu sei. É absurdo querer mais do que isso, sobreviver, querer mais do que isso, lutar para sobreviver e nada.
Essa ambição de querer existir, de querer ser fato, de querer ser e não porque amanhã não serei mais. Arrogante, essa ambição de querer ser livre e não querer os vestidos de festa, ou a casa no campo, ou os filhos sadios, ou o almoço de domingo, ou dar satisfação. Eu sei, é presunção, querer presença bruta. Mas, tanto faz, eu ou você, que modestamente insiste em sobreviver, iremos juntos, vulgares e sublimes, de pés juntos, insolentes e humildes, retrato defunto do que fomos e do que não fomos de qualquer vida que passou.
Imagem de capa: Vitalii Vitleo/shutterstock