Enquanto “Seu” Lobo não vem…

Houve um tempo em que as pessoas viviam sua infância junto aos familiares e vizinhos.

Nos sítios, nas fazendas ou nos quintas de suas casas, descortinavam experiências maravilhosas do mundo.

A Lua era o território de São Jorge e seu dragão, os trovões eram sinais de que São Pedro estava fazendo faxina no céu e as nuvens instigavam a fantasiar.

Nas calçadas, extensões de suas casas, as crianças brincavam de amarelinha, esconde-esconde, bola, bicicleta…

Hoje, é um tempo em que as pessoas vivem sua infância em escolas e creches que proporcionam atividades lúdicas e aprendizados; algumas vivem nos playgrounds com suas bicicletas, patins, bolas, escorregadores; outras passeiam e se divertem com dinossauros, dragões nos reinos encantados dos shoppings (as calçadas atuais) e na internet; infinidades de diversões que descortinam um mundo imaginário, fabuloso!

Os contos de fadas, os jogos intergalácticos garantem que os maiores perigos residem em lugares muito distantes, e que todos eles estão protegidos pelos super-heróis com seus superpoderes.

Contudo, sabemos que a vida é travessia. Somos seres humanos em contínua mutação vivendo no tempo, no espaço e alguns buscando sua profundidade.

Inocência e magia vão dando lugar ao Real que se apre- senta como acaso, imprevistos e surpresas, no cenário vivencial de cada indivíduo.

Em cada fase dessa travessia, o indivíduo é chamado a cumprir uma tarefa existencial. Ao chegar à velhice, os ho- rizontes de vida estreitam-se, e aquela brincadeira prazerosa da infância Enquanto “Seu” Lobo não vem toma proporções de vida, acolher sua finitude, criar novas possibilidades frente às perdas que forem ocorrendo, e o sentido de vida deve deslocar-se de si mesmo e ir mais além, para as futuras gerações, lugar em que residirá a esperança.

Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, ao referir-se a essa tarefa escreveu : é o momento em que o Self deve se tornar diminuto para entrar naquele buraco pequeno que se chama morte. A tarefa existencial ao envelhecer nada mais é do que “crescer para baixo”, viver para os que virão; somente, assim, o encontro com o Lobo não será tão amedrontador…

Imagem de capa: Everett Collection/shutterstock







Psicóloga , escritora e avó apaixonada pelo seu neto e pela vida. Autora do livro "Varal de sonhos" e feliz demais com os novos horizontes literários que se abrem.