O nosso corpo e a nossa mente são uma espécie de museu vivo da nossa própria história. Cada vivência, cada passagem, cada experiência que vivemos, vai ficando registrada em finas camadas de memória que vão se sobrepondo umas às outras.
Há partes do enredo pelas quais desenvolvemos um apego mais visceral e apaixonado; temos dificuldades de nos desprendermos delas. São como aquelas comidas que não caem muito bem e ficam nos mandando lembranças do encontro, sabe como é? Mas, insistimos em prova-las novamente em banquetes futuros.
Num caso desses temos algumas escolhas a serem feitas. Em verdade, em todos os casos temos algumas escolhas a serem feitas. Contudo, nesse caso específico de digestão mal resolvida, é imprescindível decidir o que fazer com o refluxo mental o mais rápido possível. Caso contrário, corremos o iminente perigo de desenvolver feridas crônicas, quer seja no sentido literal ou figurado.
Há situações que de tão impactantes em nossa vida, fazem uma espécie de trava temporal em nossa programação interna. Mudamos de canal, de frequência, de operadora, mas nada é capaz de nos salvar. Basta algum descuido, e lá estamos nós curtindo num “vale a pena ver de novo”, pela milionésima vez, um episódio, ou a série inteira de uma narrativa cujo começo já sabemos de cor, o desenrolar está na ponta da língua e o final… Bem, o final é que é o enrosco… Essa ruminação toda acontece, justamente porque fazemos a tolice de acreditar que uma história que já se repetiu até a exaustão, seguindo o mesmo script, tem chance de acabar num novo desfecho. Haja falta de discernimento, não é mesmo?!
E nem adianta torcer o narizinho, revirar ou olhos ou bufar, como se estivesse completamente à salvo de cometer tamanha burrice, porque ninguém está. Todos nós, em algum nível – uns mais e outros nem tanto -, temos nossas caveirinhas guardadas com desvelo nos armários secretos da alma.
E, muitas vezes, guardamos esses esqueletinhos traiçoeiros, porque à época real da experiência, nós os arrumamos com a melhor roupa, caprichamos na maquiagem e nas flores ao seu redor, fazendo com que a sua morte fosse empurrada para uma área pouco visitada da memória. Fingimos que os projetos mortos, estão apenas adormecidos, ou na pior das hipóteses, sofreram um desmaio reversível.
Apegos ao passado, às histórias idealizadas, às roubadas travestidas de desafios, fazem a gente ficar patinando num limbo viscoso e enganador; fazem-nos acreditar que nos cabe render tributos e homenagens a elas, como se negá-las fosse tirar de nós o direito de pertencer.
No entanto, no final das contas, o que nos rouba de verdade os direitos, são essas correntes invisíveis que nos fazem ver beleza, onde já não há mais nada para ver. Nosso passado é certamente parte da nossa história. Mas, não é a história toda. Paremos, então, de brincar de mortos vivos. E enterremos o nosso passado, antes que ele volte para nos enterrar!
Imagem de capa meramente ilustrativa: Lady Mary, personagem de Downtown Abbey
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