Nascer talvez seja nosso feito mais corajoso. Sair do acolhimento do ventre materno, onde recebíamos alimento, vida, segurança e o conforto da ausência de ruído e luz, para enfrentar um ambiente barulhento, agressivamente claro e caótico, requer de nós uma experiência que não temos. O que fazemos para enfrentar o desafio? Vamos com a cara e com a coragem. Literalmente!
O momento do nascer biológico chega, é definitivo e inexorável. À nossa volta, uma explosão de acontecimentos segue o fluxo, num mundo que já existia muito, muito tempo antes de nós. Nada de ensaio. Nada de período de adaptação. Nada de trailer. A história já começa com a gente dentro dela. O jeito é dar um jeito de acertar o passo, mesmo que a aventura de andar por aí só esteja reservada para alguns tantos meses depois da estreia.
Tudo isso, supondo que a nossa chegada FOSSE esperada, desejada, planejada e querida! De outra forma, tudo, absolutamente tudo, fica infinitamente mais difícil. E, muitos de nós vêm ao mundo assim mesmo: sem querer!
O que nos iguala é, justamente, a imensa diversidade de nós. Há tantas versões de existir humano, que deveríamos ser infinitamente mais flexíveis e acolhedores às nossas variações de ser. Mas, o fato é que somos encapsulados por natureza. Nascemos prontos para o individualismo e, aos poucos, vamos sofrendo arranhões em nossa armadura de proteção, a cada insucesso, a cada não que ouvimos, a cada tropeço, a cada queda. Pois é… É justamente o fracasso que nos abre pro mundo. É a dor que nos faz tirar os olhos do próprio umbigo e olhar em volta.
A dor, de não saber, de não conseguir, de não ter, de não pertencer, nos iguala. De repente, aquele estranho incompreensível, parece que fica tão parecido conosco. Reconhecemos na urgência dos olhos, na secura da boca, no arfar do ar que falta a nossa própria dificuldade de existir no mundo. É a dificuldade que tira a gente do conforto, da tranquilidade falsa de uma vida mais ou menos. É o desequilíbrio que faz brotar na gente, a força criativa e o germe da possibilidade de levar em conta o outro.
Assim que damos o primeiro suspiro, somos tragados por um entorno que contribuirá em muito para nos definir enquanto ser, ser humano, ser vivente, ser presente, ser ausente. Nossas primeiras experiências sensoriais, de toque, sons e cores criam em nós um tipo de silhueta afetiva. É nas primeiras relações de amor, ou da falta dele que ergueremos nossas primeiras frágeis estruturas emocionais. E, de pouco em pouco, vamos colecionando vivências, impressões, crenças e valores que nos farão únicos nesse mundo tão diverso.
Cada vida que pisa nesse chão do nosso pequeno planeta traça caminhos de desenhos irregulares e ímpares. Os caminhos que traçamos, cruzam outros caminhos. E, é nessa intersecção de estradas que somos presenteados com a experiência maravilhosa de entrar em contato com o outro. É desses encontros que vamos tecendo nossas leituras do mundo. É nesses encontros que vamos nos humanizando, rompendo a cápsula da individualidade e aprendendo que, juntos somos mais possíveis do que em nossa obstinação pelo crescimento isolado.
A vida é um espetáculo sem pré-estreia! A vida é a fantástica experiência que acontece no intervalo entre o nosso primeiro e último suspiro. A vida é a marca da nossa passagem no mundo. Por isso, não faz o menor sentido desperdiçar momentos, adiar escolhas, economizar afetos, esconder intenções. Nesse exato momento, a ampulheta do tempo escoa, estejamos vivendo ou apenas existindo. Tomara que sejamos capazes de abrir mão dos casulos. Tomara que sejamos ousados para voar, ainda que nossas asas não estejam de todo prontas. É da ousadia que nasce a coragem. É da coragem que nasce a habilidade de olhar além de nossas próprias necessidades. É desse olhar que nasce o encontro. E é desse encontro que nascem pessoas capazes de fazer a vida valer à pena!
Ana Macarini
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