Jocê Rodrigues

Envelhecer: glórias e batalhas de toda uma vida

Embora envelhecer seja um processo natural do qual ninguém escapa, a ânsia por se manter jovem ainda rouba o sono de muita gente. Isso explica os milhões de procedimentos estéticos de retoque e reboco realizados anualmente pelo mundo. São cirurgias, aplicações de botox, peeling, luz pulsada, ácido hialurônico e por aí vai.

Procedimentos que servem para recauchutar e também para dar a ilusão de que o tempo não passou e de que o fim não está assim tão próximo.

Até aí, tudo bem. Afinal, vivemos para tentar esquecer que vamos morrer em algum momento. Jogamos, bebemos, cantamos, gritamos e por um momento ou dois esquecemos que somos mortais.

“A velhice é uma batalha, meu querido, quando não é uma coisa, é outra. Uma batalha implacável, justamente quando você está mais fraco e mais impossibilidade de enfrentar a luta como antes”, escreveu o escritor americano Phillip Roth no livro Homem Comum. Mais adiante, ele complementa: “A velhice não é uma batalha, a velhice é um massacre”.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 19 milhões de idosos na faixa de 80 anos devem engrossar o caldo da população do país até 2060. Difícil dizer com certeza como será a qualidade de vida que espera por essas pessoas. Mas, se levarmos em conta as condições atuais, não vem coisa boa.

Embora o panorama não pareça dos melhores, ainda mais para quem partilha do pensamento nada otimista de Roth, há quem insista em lançar um olhar positivo sobre o processo de envelhecimento. A pergunta que essas pessoas normalmente trazem é: não estaria na hora de revermos o antigo paradigma da idade, onde nascemos, crescemos e daí vamos ladeira abaixo em direção à decrepitude e à morte?

Numa interessante e bem-humorada palestra ao TED, em 2011, a atriz, escritora e ativista política Jane Fonda descortina alguns aspectos daquilo que prefere chamar de o terceiro ato da vida, que corresponde às três últimas décadas da vida de alguém.

“Talvez a tarefa do terceiro ato seja terminar a tarefa de encerrar a nós mesmos”, argumenta a atriz agora octogenária (na época da palestra, Fonda tinha 74 anos) que há muito tempo é símbolo de independência e empoderamento entre as mulheres. Ou seja, envelhecer é colocar alguns pontos finais em certas questões e se completar, alcançar certa plenitude.

Para Jane, esse período da vida é o mais propício para uma séria e profunda reavaliação do que passou. “Talvez o objetivo principal do terceiro ato seja voltar e tentar, se apropriado, mudar nossa relação com o passado”, sugere. Uma atitude que pode levar até mesmo a um reajuste de nosso funcionamento neural, segundo ela. “Não é ter experiências que nos torna sábios, é refletir sobre as experiências que tivemos”, arremata ao fim da apresentação.

A ideia de uma velhice plena não é tão popular. Também pudera. Afinal, são décadas de desencorajamento. Anos e mais anos de discursos onde o avanço da idade representa regressão, doença, esgotamento e inutilidade. É claro que existem os fatores genéticos, dos quais é praticamente impossível escapar dado o cenário científico atual. Porém, não é apenas por eles que devemos nos guiar.

Em 2013, o neurologista e escritor inglês Oliver Sacks escreveu “Mercúrio”, o primeiro dos quatro ensaios que compõem o livro Gratidão. Escrito quando estava prestes a completar 80 anos, época em que ainda não havia sido diagnosticada a metástase no fígado que o levaria à morte dois anos depois, o texto narra os pequenos deleites do que costumamos chamar de velhice, assim como algumas das suas dificuldades, sem fraquejar.

“Beirando os oitenta, com esparsos problemas de saúde e cirurgias, nenhum deles incapacitante, me sinto feliz por estar vivo — ‘Estou feliz por não estar morto!’ é uma frase que às vezes irrompe lá dentro de mim quando o tempo está perfeito”, revela com a graciosidade literária que lhe rendeu inúmeros admiradores ao redor do mundo.

E com essa mesma graça que o tornou um dos grandes divulgadores científicos de nosso tempo, descreve como, já nessa idade, começou a sentir uma “expansão da vida mental e da perspectiva”, ao invés de uma redução e encolhimento de suas forças. “Nesta altura já tivemos uma longa experiência de vida, não só da nossa, mas também da de outros”, justificou Sacks – o homem que viveu seu terceiro ato lutando contra os seus medos e construindo a si mesmo até o fim.

Quanto mais formos capazes de encarar a velhice como continuidade, mais estaremos preparados para entender o que significa chegar ao fim. Dessa perspectiva, envelhecer pode ser bem mais do que simplesmente esperar.

Imagem de capa: Reprodução

Jocê Rodrigues

Editor, escritor e jornalista.

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