Dia desses assisti um vídeo sobre um experimento conduzido em uma pequena cidade alemã, o experimento era muito simples: uma caixa com dizeres “leve ou deixe o que quiser”. Dentro dela as pessoas deixavam objetos que não queriam mais e pegavam os que lhes agradavam. Esse certamente era para ser mais um daqueles vídeos inspiradores, não fosse o número destoante entre as pessoas que levavam coisas contra aquelas que deixavam algo, mais ou menos dez contra uma. Esse vídeo me fez pensar sobre o desequilíbrio mundial que existe entre o dar e receber.
Um dia, esgotada, me queixei em consultório sobre como meu pai faz falta nesse sentido. Ele era o cara que fazia por mim, não tinha um dia que ele não me ligasse para saber se eu estava bem ou precisando de algo. Com a doença dele trocamos de papel e entendi que era mesmo a vez dele, mas me senti desamparada. Naquele dia sai do consultório com a (árdua) tarefa de aprender a me queixar.
A explicação é extremamente plausível e ponderada: da mesma maneira que me sinto bem quando faço algo por alguém, é importante permitir que o outro faça algo por mim para que ele também se sinta bem, afinal um relacionamento saudável é aquele onde as forças entre dar e receber são equilibradas. Sendo assim, de certa forma é egoísmo tirar esse direito do outro.
Comecei a observar esse processo com muita atenção. Descobri que existe de fato uma parte muito controladora em mim que não quer receber pelo simples fato de que receber é uma grande entrega; existe uma parte muito autônoma em mim que aprendeu a “se virar” sozinha sem precisar dos outros e não sabe pedir ou não quer “incomodar” ninguém; existe uma parte muito ansiosa em mim que não tem paciência para esperar que o outro faça por mim no tempo dele; existe uma parte muito eficiente em mim que gosta de ver as coisas feitas com certa rapidez e assertividade, onde o resultado só dependa de mim e eu possa fazer “do meu jeito”.
Aos poucos fui percebendo também que tudo que faço hoje envolve muita doação. Claro, seria injusto se dissesse que só faço, pois recebo muito em troca, mas fui muito centralizadora em minhas escolhas. Eu realmente não faço para os outros esperando receber algo em troca, viveria frustrada se fizesse isso, mas não quer dizer que eu não queira também receber. E por ser assim, desaprendi a pedir as coisas, desaprendi a me queixar.
[E aqui faço uma importante pausa para dizer que entendo que a queixa seja diferente da reclamação. A queixa é um direito de qualquer ser humano, o direito ao descontentamento é genuíno, nós deveríamos apenas aprender a nos queixar, sem procurar culpados, sem o peso que vem junto com a reclamação e quem sabe por motivos mais “consistentes”.]
É triste ver como as pessoas nem se dão mais conta de como elas exigem ou querem as coisas para elas. Pensei nisso ontem quando (treinando o pedir) mandei um e-mail pedindo ajuda aos meus colegas de trabalho com um material que estou precisando, disse que tenho uma parte dele e que poderia disponibilizá-lo, perguntei se alguém tinha o restante, não só não obtive resposta como um deles respondeu dizendo que não tinha nada, mas pediu que eu enviasse o que tinha.
Não seria justo reclamar dos meus colegas de trabalho porque muitos deles realmente me ajudam, então essa troca existe. E também acho que não é por mal que as pessoas não responderam, porque não é por mal que aprendemos a querer mais do que dar, mas é fato de que esse comportamento já se tornou natural e automático. E como mostra o vídeo, que se passa em uma cidade alemã, não é só no Brasil não, acredito ser uma “epidemia” mundial.
E se tem um lugar onde encontraremos esse desequilibro de maneira mais acentuada, é no campo dos relacionamentos amorosos. Ontem li em uma reportagem que um chinês pediu divórcio e indenização da esposa (e ganhou a causa) porque ela lhe deu três filhos feios. Pausa. Os aplicativos de relacionamentos me assustam nesse quesito, basta uma volta rápida pelo Tinder. Não tenho preconceito algum contra sites de relacionamentos, o que me assustou mesmo foi o nível das exigências.
Os perfis estão lotados com textos do tipo “se você é assim, não me adicione…” ou “eu quero alguém que seja…”, um australiano escreveu um longo texto em inglês com perguntas que deviam ser respondidas para comprovar o nível de fluência, o final dizia: “se você me adicionou e não fala inglês, será deletada!”. É de certa maneira compreensível que ele queira alguém com quem possa se comunicar, mas ele está no Brasil, né? De repente seria um bom exercício começar a aprender a língua local. Fail.
Fato é que ninguém diz o que tem para oferecer. Claro, porque ninguém faz isso em um site de relacionamento, até soaria muito pedante, mas não é pelo fato que ninguém escreve, e sim porque ninguém realmente parece se questionar sobre isso: “o que eu tenho de bom para oferecer ao outro?”. Eu me faço essa pergunta todos os dias e também penso nisso em cada novo (ou antigo) encontro. Não é uma projeção maluca e carente sobre o que o futuro trará, também não envolve nada de ganhos materiais e econômicos. Para mim não importa o tempo que esse encontro durará, mas importa a qualidade da troca que será feita e o equilíbrio que existirá entre ela. Aliás, é importante pensar nisso, para qualquer tipo de relacionamento.
E realmente minha vida melhorou desde que entendi esse processo e tento conscientemente equilibrá-lo. Quando minha irmã se disponibilizou a me ajudar com minha mãe percebi como a vida fica mais leve quando compartilhamos as cargas ou quando aprendemos a nos queixar e aliviar o peso do coração. Então é bom aprender a pedir e a nos queixar. Porque uma coisa é certa, independente do quanto damos e recebemos, todos nós temos dias bons e ruins. Não é demérito algum pedir colo, admitir que estamos cansados e entender que, ao contrário do que nos pedem as redes sociais, não precisamos ser fortes e estar bem o tempo todo. O que precisamos é aprender a pedir e falar; aprender também a distinguir quem são aqueles onde poderemos encontrar conforto, pedir ajuda e receber um ombro amigo.
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