Se você não quer se frustrar, pare de ler agora. O que vou contar tende a frustrar as pessoas. Foi frustração plena e clara o que vi nos olhos de meu amigo Andres, semana passada. Ele queria saber como era que eu me preparava pra escrever. Se acendia velas em casa, colocava uma música tranquila, meia taça de vinho tinto. Estava curioso sobre meu ritual. E sempre que me perguntam isso eu vejo a mesma cara. Aquela cara.
Expliquei que escrevo da mesma forma que amo. Escrevo sem cerimônia, sem hora marcada, nas costas da lista de compras, na fila de espera do banco, por vezes, torto em uma cadeira feita para não se demorar. Escrevo como quem ama, na distração do acaso, na correria das horas, na cantoria dos carros, na frieza do metrô que murmura, no elevador antigo que se demora em me entregar em casa.
Escrevo como quem ama, na adrenalina das segundas-feiras, sob as mentiras da rua aos sábados, no tédio de domingo tentando achar uma vaga no estacionamento dos shoppings que tanto, tanto odeio. Escrevo como quem ama, na fome do meio dia, no medo da madrugada, no intervalo gentil dos meus pensamentos banais. Escrevo como quem ama, com fúria não programada, com culpa indexada, com medo do fim.
Escrevo como quem ama, na solidão dos bares, ao som quaternário dos meus passos, ao acariciar a esquina voltando da padaria, ao esperar no portão. Escrevo como quem ama, desajeitado e sem modos, ansioso e faminto, sem pompa, tentando tornar o milagre um método lógico. Escrevo como quem ama, apenas aceitando que as horas mais impróprias se alinham em lógica própria, insolentes.
Escrevo como quem ama. Porque sei que se vive sem escrever, mas que vida triste a de quem morre sem fazer da própria palavra um tipo de voz.
Imagem de capa: A. and I. Kruk/Shutterstock
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