Esquecendo pessoas e livros

– Moço, você esqueceu seu livro – veio correndo a senhora com um monte de sacolas, esbaforida, até a porta do metrô. Eu agradeci e disse que não tinha esquecido, mas que tinha soltado o livro. Ela ficou ali embasbacada sem saber o que fazer com aquilo, aquilo que eu tinha esquecido de propósito para que outra pessoa encontrasse e fizesse melhor proveito.

Ela me olhava como se eu fosse um marciano enquanto o metrô se afastava da estação Pinheiros. Eu a entendo. A gente não foi mesmo educado pra libertar, coisas e pessoas. Se há amor, há de ser pra sempre nosso. Se há apego, há de estar pra sempre com a gente. E assim vamos colecionando pessoas e livros que não nos servem de nada, que não nos emocionam mais, para quem não damos tempo, atenção. Pessoas por quem passamos os olhos diariamente, mas não lemos.

Assim como o livro, você jura diariamente que amanhã terá um tempo pra ela, jura que vai mergulhar nela, mas sua promessa rasa não carrega nada além de apego e culpa. Culpa danada. A organizadora oriental Marie Kondo costuma dizer que se você não leu um livro de cabo à rabo quando o comprou, provavelmente não o lerá nunca mais. De igual modo, pessoas também vão ficando empoeiradas, também perdem o sentido, também são acumuladas na rotina diária. Triste, triste.

A gente guarda mesmo, pessoas e livros que não têm nada a ver com a gente porque aprendemos que tudo que cruza nosso caminho precisa ser nosso. Mesmo que não faça nenhum sentido, como colecionar pedras ou engaiolar pássaros. Você ama mesmo essa pessoa que amanhece contigo todos os dias ou só está com ela porque se acostumou? Você a ama ou só teme que alguém seja mais feliz com ela? Você a ama ou promete todos os dias que vai amá-la direito amanhã? Poeira que é lágrima em pó, acúmulo de tristeza.

E assim, ambos vão ocupando um espaço danado onde poderia habitar justamente a felicidade do outro. Olhe à sua volta, para as pessoas e livros, se elas não fazem mais sentido, se não há mais amor, talvez seja a hora de soltá-las, de esquecê-las carinhosamente para que outra pessoa as possa encontrar pelo caminho.

Imagem de capa: Viktoriya Heart/shutterstock

Diego Engenho Novo

Escritor, publicitário e filho da dona Betânia. Criador do blog Palavra Crônica, vive em São Paulo de onde escreve sobre relacionamentos e cotidiano.

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