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Essa coisa que vai e volta: a controversa luta contra os sentimentos

“Amar é vexame”, uma vez me disseram. Não que fosse uma conotação negativa, mas é como tantas vezes são taxadas as emoções. Declarar-se já foi um nobre ato de coragem, agora é brega. Auto amor é a nova moda, mas mais vivido enquanto fuga do que enquanto tal: aquele nível de amadurecimento em que uma pessoa consegue aceitar-se e compreender-se o suficiente para amar a si e multiplicar amor aos outros, para aceitar um não, sentir-se magoada, mas seguir em frente – o que é diferente de atropelar todos no caminho. Não se trata de uma recusa de sentir pelo outro, mas de uma recusa em depender do outro para sentir. Triste os vacilos da linha tênue entre amadurecer e endurecer.

É fato que as emoções não são muito ligadas às convenções. Elas não escolhem o melhor partido, nem o melhor momento, nem o que é mais fácil. Escolhem à reveria a quem querem tocar. Tocam o “sentidor” mas nem sempre tocam o outro. A sensação no fundo do estômago é a dor de quem permanece com os braços estendidos, sem no entanto conseguir alcançar o pretendido. Sentir dor. Esse problema inaceitável na era da felicidade barata. Todavia, é verdade, quando uma coisa não tem jeito, seguir em frente é necessário.

Não é como tomar uma pílula e ter os sentimentos dissolvidos. Chegar à conclusão de que é momento de abortar os sentimentos não correspondidos ou mal correspondidos, muitas das vezes, é uma decisão no escuro. Há sempre aquela interrogação que projeta esperanças no futuro. A decisão pode vir de um limite em suportar, ou talvez, de uma incapacidade de esperar… Medo de esperar em vão. Não é tão raro ser surpreendido alguns meses depois de ter vencido uma “queda” por alguém, com o fato de acabar sendo correspondido, mas em um momento no qual já não pode corresponder. Desencontros.

A solução então é pagar pra ver? Esperar sentado pelo dia iluminado da realização? Espera ou luta? Quando tentar já não é uma opção e os sentimentos estão fazendo fuzarca por todas as esferas da vida, nada mais natural que optar pela decisão firme em rompê-los. Há casos em que essa realmente é a melhor opção. Todavia, não creio que seja o amor e seus primogênitos que nos causam essa euforia desconstrutivista de afetos. Uma vez coletivamente ansiosos, é esta ansiedade que nos impede de conviver com as emoções em stand by, precisamos de correspondência, e precisamos bem rápido, mesmo que seja para que tudo dilua em uma semana. Por outro lado, também temos aí a nos envenenar o orgulho ferido, de não sermos encantadores o suficiente para despertar no outro uma paixão desesperada como ele despertou em nós.

Insegurança, ciúme, inveja, críticas. O velho alvo do amor que não nos respondeu como um espelho, à nossa imagem e semelhança, se torna alvo desses e de tantos outros afetos, tão distantes desse sentimento que embora indefinido, é certamente bem diferente daqueles outros. A dor então já não é da saudade, da impossibilidade, mas de uma ferida que tendemos a abrir cada vez mais, até estarmos tão infeccionados que a simples aproximação de um outro provoque uma reação arredia.

Sempre fui dessas pessoas tendenciosas à ansiedade, querendo romper tudo quanto não me respondesse como esperava, demolidora de sentimentos que partiram para a estrada sem certeza de acolhida na parada. Até que, um dia, pensava ter rompido definitivamente um sentimento, e de escorregão ele voltou do imprevisto, surpreendendo, assustando. Ainda não era o melhor momento, nem a mais fácil das situações, ainda tão longe do ideal, ainda reticente uma correspondência, situação cheia de embaraços e entraves. Recomeçou a luta e então veio o cansaço.

Simplifiquei. Deixei de estender os braços na espera de alcançar o que parece inalcançável. Porquanto também não travei batalha alguma contra o que sentia, nem deixei de lado, nem transformei em tirania de mágoas e injúrias imaginárias.

Deixo o sentimento quietinho ali, converso com ele e sinto vibrar os gemidos da sua existência lamuriosa. Deixo-o ali amadurecendo, pois nada é amanhã o mesmo que foi ontem. Deixo-o seguir crescendo para ver o que é de fato. Deixo-o viver porque sei que ele é meu e não do outro. Em algum momento a dor passa, os olhos enxergam em outras direções, e a vida continua, não vazia e deteriorada pelas lutas travadas contra os afetos, mas cheia de emoções para o que vier.

Paula Peregrina

Peregrina de territórios abstratos, graduou-se em Psicologia, trocou o mestrado e uma potencial carreira por uma aventura na Letras e acabou forasteireando nas artes. Cruzando por uma vida de territórios insólitos, perseveram a escrita, a poesia e o olhar crítico, cristalino e estrangeiro de todos os lugares.

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