Por Adriano Silva
Encontro meu amigo numa festa. Fazia tempo que não nos víamos. Ele me conta do quanto está feliz. De como mudou a sua vida para melhor. Sua aparência está ótima. Você vê na pele e no brilho do olho quando uma pessoa está num momento bom.
Ele tem 40 anos. Trabalhava há 23 anos no setor financeiro de uma grande empresa. Contas a pagar, recebimentos, administração de grana daqui para lá e de lá para cá. Entrou lá como estagiário. E foi crescendo. Ou ficando. Aquele primeiro emprego se tornou uma carreira. E também um grilhão.
Com o tempo, foi percebendo o que queria da vida. Seu coração não estava em finanças. Estudou arte. Obteve um diploma. Mas veio um casamento. Vieram os filhos. E ele fez o que a maioria de nós faria – se amarrou ao que tinha na mão. Um holerite, um plano de saúde, um vale refeição. Para não correr riscos, correu o maior dos riscos – negar o que a sua voz interior estava lhe dizendo. Isolou a vocação que descobrira em si na caixinha dos desejos inoportunos.
Sabia que aquele trabalho não era o que desejava para si. Mas era o que lhe parecia mais seguro. E um marido e um pai precisa ser sensato. Precisa ser responsável e consequente. Preciso prover. E se sacrificar pela família, se preciso. Então conviveu muitos anos mais com aquele cotidiano. Engordou. Encontrou um companheiro no cigarro. E começou a beber um tantinho além do que seria recomendável.
Seus filhos cresceram. O casamento se desfez. E aos 40 ele tomou a decisão de pedir demissão. Com mais 12 anos no escritório ele já estaria pronto para se aposentar. As pessoas lhe diziam que sossegasse o facho, que tivesse bom senso. Mas ele não tinha mais 12 anos para dar. Ele já tinha sossegado o facho demais. E bom senso, bem, isso ele tinha de sobra: trocou o Excel pela lousa. Passou a dar aulas de arte numa escola pública, fazendo uso da licenciatura que estava há muito no fundo da gaveta, mas que não tinha sido esquecida. E na Brasilândia, periferia de São Paulo, onde as salas não são refrigeradas e onde não se usa gravata nem em dia de enterro.
Hoje ele dá aula em três escolas próximas da sua casa, na Freguesia do Ó. Vendeu o carro – se diz um feliz usuário do sistema de transporte público de São Paulo, quando precisa sair do seu bairro. Parou de fumar. Parou de beber. Desligou a TV – me disse que hoje só a usa para assistir a um filme no Netflix ou para jogar XBOX com o seu filho do meio, de 16 anos, que mora com ele. Ocupa todas as suas manhãs com as classes. E tem as tardes e as noites livres para fazer o que quiser. Inclusive estudar arte.
Eu o cumprimentei efusivamente por ter tido a coragem de fazer tudo isso por si mesmo – coisa que a maioria de nós não tem a coragem de realizar. E tentei lhe apoiar, e lhe confortar, dizendo que, afinal, dinheiro não é tudo, quando ele me atalhou – “Adriano, eu estou ganhando mais agora”.
Sem mais.
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