Marcel Camargo

Eu achava que nunca iria superar certas coisas que hoje nem me abalam

O tempo é mágico. A maturidade também. Com o passar dos anos, tudo vai se tornando mais nítido, mais certo e a gente deixa de gastar energia com o que não tem serventia. Cada minuto conta, cada momento deve ser desfrutado, cada sentimento deve ser regado, porque vamos nos aproximando do fim e queremos guardar no coração somente o que vale a pena.

A gente para de se enganar com as pessoas. Aprendemos a entender que cada um oferece aquilo que possui dentro de si. Ninguém será capaz de ser e viver o que não estiver em seu coração. Por mais que tentemos mudar o outro, ou fazê-lo enxergar o que vemos, de nada adiantará, caso a própria pessoa não se disponha a isso. A mudança vem de dentro.

A gente para de se sabotar, de mentir para si mesmo, a gente perde o medo de ser feliz. Percebemos que temos, sim, o direito à felicidade, sem aquele temor de que aquilo tudo vai passar logo, de que alguma coisa ruim está por vir. O otimismo passa a ser uma companhia constante, porque olhamos para trás e conseguimos entender o tanto que conseguimos superar, suportar, aguentar. A gente passa a ter certeza de que tudo passa e a gente sobrevive bem mais forte.

A gente para de se tornar invisível, de se anular perante os outros, perante a vida, perante o mundo. Perdemos o medo de nos colocar, de nos expressar, de falar o que incomoda e não serve para nós. Nosso físico vai ficando mais vulnerável, mas a gente se fortalece por dentro e não aceita carregar pesos que não são nossos. A gente para de se sentir menos e isso nos leva a jogar fora o que faz mal, sem dó, sem culpa.

A gente para de se importar com as opiniões de quem não faz parte de nossas vidas. Percebemos que aquilo que importa é ouvir quem nos ama de verdade e caminha junto, torcendo por nós, com sinceridade e amor. Tomamos consciência de nossas potencialidades e de nossas limitações, aceitando-nos como somos, em tudo o que temos dentro de nós. Assim, quase ninguém mais consegue nos ferir, a não ser aqueles que amamos demais – isso é inevitável.

A gente para de mendigar afeto, amizade, atenção, amor. Percebemos que todo relacionamento requer disciplina, comprometimento, respeito e reciprocidade. Toda relação tem que ser uma via de mão dupla, um vai e volta, sem rodeios. Não aceitamos carregar o que é nosso e mais o que é do outro, simplesmente porque não aceitamos solidão acompanhada. Não nos permitimos ser alguém com existência nula.

Eu achava que nunca iria superar coisas que hoje nem me abalam. Eu achava que nunca iria esquecer pessoas que hoje não fazem parte de meus pensamentos. Eu achava que o sofrimento não cessaria, que o amanhã nunca chegaria, que eu não iria suportar. Hoje, eu ainda sofro quando a vida diz não, porém, tenho mais equilíbrio e força para enfrentar o que me cabe, porque sei que, lá na frente, só ficará o que for de verdade.

***

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme Dumbo

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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