Então ela me disse:

-Se você souber que ele me traiu; se souber que ele tem outra, por favor, não me conte! Eu não quero saber.

-Como não! Por que não quer saber?

-Porque passamos a vida juntos, porque passei com ele maus bocados, porque seria uma decepção muito grande e eu sofreria uma pressão enorme de mim mesma e do mundo para fazer algo a respeito e eu não sei se a essa altura da minha vida eu quero fazer algo.

Eu estava certa de que ela nunca havia sido traída e ela já beirava os setenta anos muito bem vividos ao lado do marido e dos filhos. Tiveram uma vida muito difícil no começo do casamento, porém, com o passar dos anos a situação financeira melhorou e puderam viver com conforto até o dia daquela conversa. O marido nunca teve qualquer comportamento que levantasse a suspeita de uma traição. Sim, existem homens fieis sim e é bem fácil perceber este tipo de “espécie”. Ser fiel faz parte de um conjunto de valores bastante complexo.

Eu tinha vinte e poucos anos na época e não era capaz de entender porque ela me fizera tal pedido. Onde já se viu não querer saber! Eu, naquela época, não conseguia entender nada sobre o velho ditado “o que os olhos não veem o coração não sente”. Quando se é jovem, se é perseguido por uma espécie de doença que lhe obriga a ter que saber de tudo. Se um amigo não nos conta algo em primeira mão, tomamos aquilo como uma traição maior do que as que existem dentro dos casamentos e sobre a qual aquela sábia senhora não queria nem saber.

Há pouco tempo, ficávamos sabendo de quase nada se compararmos aos dias de hoje. Atualmente quase ninguém viaja sem que a lista de contatos – compartilhada em todas as redes sociais – fique sabendo. Se passarmos um final de semana nos dedicando a passear pelos perfis dos nossos amigos, teremos itinerário completo de quase todos eles. Sabemos quase em tempo real de tudo sobre a vida de todos que nos rodeiam, e está sim, bem mais fácil descobrir as traições. Fotos, vídeos e conversas vazam o tempo todo e chegam depressa, mesmo aos que preferiam não saber. Sorte de quem pôde viver em tempos nos quais podia estar na ignorância, não só da traição, mas também de notícias inúteis.

Existe muita sabedoria em preferir viver na ignorância. Existe talvez um desejo de “preferir nem ter ficado sabendo” de certas verdades, porém, pode ser que seja inevitável que elas venham e aí nos resta enfrentar a dor. O que aquela senhora me pede não é uma atitude de gente covarde. Ela me pede para não sofrer. Ela viveu em um tempo no qual os casamentos não se “dissolviam em água” e ela talvez não quisesse ficar sozinha. Talvez ela nem tivesse para onde ir e talvez ela tenha passado a vida pedindo não só aos outros, mas a si mesma que “não lhe contasse nada”. Não são raras as vezes nas quais utilizamos o mecanismo de negação pela completa falta de repertório para enfrentar certas realidades. Cada um tem o direito de escolher seu caminho e sua atitude perante os fatos.

Mais do que acreditar na fidelidade, eu acredito na lealdade e quando me lembro daquele dia, me lembro como uma das minhas maiores aulas sobre a vida. A maturidade deve trazer certa paz e deve tirar o peso de quase tudo que carregamos como verdade hoje em dia. Vivemos tempos de Tinder, de enviar nudes como se enviavam correios elegantes e ao mesmo tempo, vejo muito mais agressão e intolerância às traições do que soube ter existido há cinquenta anos. Tornamo-nos mais violentos, mais egoístas e ao contrário do que se pensa; o mesmo machismo que protegia os homens no passado continua firme, forte e reluzente, alimentando os egos e os grupos masculinos de whatsapp. A traição continua um pecado mortal para a mulher e um deslize para o homem. As mulheres que perdoam continuam sendo aplaudidas por seu altruísmo e os homens que não perdoam “a vagabunda” também.

Então, diante disso, eu consigo entender que, de vez em quando, é melhor nem ficar sabendo porque só uma mulher que já passou por isso sabe o que enfrenta da sociedade, junto com a  dor de ter sido traída. A pressão da plateia chega a ser digna do coliseu, querem ver sangue e jamais toleram que haja algum perdão ou uma segunda chance.

Bons tempos foram os quais vivíamos no anonimato, quando podíamos contar apenas com as fofoqueiras do boca a boca e quando podíamos nos dar o luxo de não querer nem saber. Felizes tempos nos quais nós não éramos julgados e condenados via satélite e nos quais nossos problemas eram apenas nossos. Felizes os tempos nos quais podíamos escolher como e quando resolveríamos os nossos problemas familiares.

Viviane Battistella

Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...

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Viviane Battistella

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