A gente precisa parar com essa mania de tratar a nossa vida como se fosse cozinha de algum restaurante que estivesse, por lei, aberta à visitação. Vidas assim, completamente disponíveis à ocupação de espaço, tempo e vontade, podem acabar sendo tratadas como “terra de ninguém”. E, sabe, né? O que, aparentemente não é de ninguém, acaba sendo de todo mundo. De todo mundo, menos de nós mesmos!
É claro que viver o tempo todo inspecionando as guardas de proteção de nossos territórios externos e internos é algo que nos transformaria em pessoas ácidas, áridas e empedernidas. A vigília constante das nossas intersecções com os de fora, tiraria de nós a maior beleza de qualquer encontro: o inesperado. Assim, que sejam livres as nossas fronteiras, mas que saibamos tratar os estrangeiros com a devida distância mínima necessária para que nossos mais valiosos territórios não acabem invadidos, desmerecidos e devastados.
Porque tem gente que vai entrando devagarinho, assim como quem não quer nada. Deixa-nos encantados com sua visita, levando-nos a ignorar suas diferenças evidentes em relação às nossas expectativas, as quais aceitamos em troca de algum afeto, intimidade ou companhia. O visitante vai dando um passinho por vez, vai conhecendo nossos cômodos secretos, vai tirando o véu de nossos móveis protegidos, senta-se naquela poltrona que era nossa preferida, dedilha nosso piano com a desenvoltura de quem é dono de tudo por ali, do piano, da poltrona, dos móveis, dos cômodos secretos, de nós.
E, sem que a gente perceba, depois de algum tempo, teremos esquecido do quanto era bom ter aqueles lugares resguardados e desconhecidos, do quanto era reconfortante gozar da solitude escolhida e bem-vinda, do quanto era prazeroso ouvir a melodia do piano acariciado por nossas mãos no silêncio da casa, do quanto é importante dar-nos o direito de termos espaços onde apenas nós mesmos tenhamos o direito de estar.
Amar é, sem dúvida, uma das vivências mais humanizadoras, é aquela experiência que nos desorganiza para que possamos acomodar o outro nos braços, no peito, em todos os espaços. Ter amigos, é inquestionavelmente necessário para nos confrontarmos com outros pontos de vista, de escuta e de sentido. Ter a família por perto é reconhecer o lastro de nossa origem no caos das relações no mundo, é dessas coisas que nos garantem o retorno a um lugar seguro, quando a viagem lá fora tornar-se demasiado longa, perigosa ou desconfortável.
Mas, hoje… hoje eu acordei com uma saudade imensa de mim! Hoje, eu quero que os amores adormeçam por algumas horas, que os amigos tirem férias, que a minha conexão com os meus seja afrouxada o suficiente para desfazer o nó que antes era um laço. Hoje, quero receber a mim mesma para um chá, um abraço apertado, um relaxamento bendito diante das inúmeras responsabilidades assumidas. Hoje, eu quero espaço. Quero paz. Quero ter a mim de volta. E quero agora!
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