COLABORADORES

Não me cure demais; ainda prefiro sentir tudo na ferida viva do meu coração.

Disse Belchior, cantou Elis. Que sentiam tudo nessa chaga aberta no peito. Olha, a vida fere quase todo mundo. Acerta de alguma forma quase todos os peitos. E a maioria de nós, segue, permanece. Vivo. Com uma ferida que não morre, nem cicatriza. Porque somos essa ferida. Essa coisa viva no peito, que dói, mas relembra quem nós somos e o que superamos. Belchior tá sumido, né? Não voltou. Tá por aí com o coração, com suas dores e alegrias. De vez em quando a gente precisa de gente como ele. Alguém que dá nomes para as feridas que temos.

Aí tem umas dores que dá medo de curar, são essas que nos moldaram. Dá medo de tomar essa pílula da felicidade que os artistas dos comerciais tomaram. Olha a cara deles, olha a cara da Elis. Quem parece mais vivo? Quem passa mais coragem pra encarar a vida?

A publicidade nessa ânsia de elogiar produtos faz qualquer um parecer um espantalho, hein. De repente tudo que um ser humano é fica embalado num potinho com código de barras.

Eu sinto demais, nem sou o maior de todos os seres, mais sentir demais me deixa tão maior que não caibo numa embalagem mais. Que rótulo irão querer me dar? Definir um pote de margarina é uma tarefa fácil. Mas eu? Mas você? Como querem nos resumir por afinidades políticas, culturais? Acham ser possível encontrar quais ingredientes nos compõem? É impossível. Totalmente. Porque uma hora a gente é de uma coisa, outra hora a gente é de outra. O novo sempre vem. Não tente enquadrar, reduzir, delimitar. Tudo que somos é incontável.

Conhecer uma alma humana é aceitar que não a conhecemos. É solucionar um mistério e imediatamente se ver intrigado com outro mistério.

É achar um Belchior e em seguida se perder dum Caetano.

Vai sempre faltar alguma coisa a mais, porque somos todos almas humanas. Com feridas vivas no coração. Mal conseguimos achar a nós mesmos.

O dia, não poucas vezes me arrepia, e eu sei que você também já conteve algum choro pra não parecer ridículo. Ou alguma risada, ou engoliu algumas palavras, ou fugiu de algum lugar. Essas são nossas tentativas de curarmos essa ferida viva no coração.

Mas, como ensinou Nise da Silveira, não quero me curar demais, gente curada demais é chata.

E eu, desconfio que ela também disse; gente pra ser curada demais inventa infecção na alma demais e, ironicamente, adoece.

 

Feliz aniversário, onde estiver, Belchior. Obrigado.

Alan Lima

"Escrevo porque fui alfabetizado um dia. Nada é meu, tudo é aprendido. Sou um autor de textos de todo mundo. O meu texto é pra ser isso, é pra ser teu." Um dos editores do Conti Outra e integrante do fan club de gifs de cachorros.

Recent Posts

Tire as crianças da sala antes de dar o play nesta série cheia de segundas intenções na Netflix

Uma série perfeita para maratonar em um fim de semana, com uma taça de vinho…

22 horas ago

Você não vai encontrar outro filme mais tenso e envolvente do que este na Netflix

Alerta Lobo ( Le Chant du Loup , 2019) é um thriller tenso e envolvente…

1 dia ago

Trem turístico promete ligar RJ e MG com belas paisagens a partir de 2025

Uma nova atração turística promete movimentar o turismo nas divisas entre o Rio de Janeiro…

1 dia ago

Panetone também altera bafômetro e causa polêmica entre motoristas

O Detran de Goiás (Detran-GO) divulgou uma informação curiosa que tem gerado discussão nas redes…

1 dia ago

Homem com maior QI do mundo diz ter uma resposta para o que acontece após a morte

Christopher Michael Langan, cujo QI é superior ao de Albert Einstein e ao de Stephen…

2 dias ago

Novo filme da Netflix retrata uma inspiradora história real que poucos conhecem

O filme, que já figura entre os pré-selecionados do Oscar 2025 em duas categorias, reúne…

2 dias ago